6 de maio de 2009

O ideal estético Kitsch, de Milan Kundera




Retirado de "A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera.
Sexta Parte: A Grande Marcha, 5:

"O debate entre os que afirmam que o universo foi criado por Deus e aqueles que pensam que o universo apareceu por si mesmo implica coisas que vão além de nossa compreensão e experiência. Muito mais real é a diferença entre aqueles que contestam a existência tal como foi dada ao homem (pouco importa como e por quem) e aqueles que aderem a ela sem reservas.

Por detrás de todas as crenças européias, sejam religiosas ou políticas, está o primeiro capítulo do Gênese, a ensinar que o mundo foi criado como devia ser, que o ser humano é bom e que, portanto, deve procriar. Chamemos essa crença fundamental de acordo categórico com o ser.

Se, ainda recentemente, a palavra merda era substituída nos livros por reticências, isso não se devia a razões morais. Afinal de contas, não se pode considerar que a merda seja imoral! A objeção à merda é de ordem metafísica. Defecar é dar uma prova cotidiana do caráter inaceitável da Criação. Das duas uma: ou a merda é aceitável (e, nesse caso, não precisamos nos trancar no banheiro), ou Deus nos criou de maneira inadmissível.

Segue-se que o acordo categórico com o ser tem por ideal um mundo no qual a merda é negada e no qual cada um de nós se comporta como se ela não existisse. Esse ideal estético se chama kitsch.

Esta é uma palavra alemã que apareceu em meados do sentimental século XIX e que, em seguida, se espalhou por todas as línguas. O uso repetido da palavra dez com que se apagasse seu sentido metafísico original: em essência, o kitsch é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal, quanto no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo que a existência humana tem de essencialmente inaceitável."

8:

"A fraternidade entre todos os homens não poderá nunca ter outra base senão o kitsch."

9:

"O kitsch é o ideal estético de todos os homens políticos, de todos os partidos e movimentos políticos. (...)

12:

"Nenhum de nós é sobre-humano a ponto de poder escapar completamente ao kitsch. Por maior que seja nosso desprezo por ele, o kitsch faz parte da condição humana."

29:

(fala-se sobre inscrições em tumbas, e o que resta após a morte)
"Antes de sermos esquecidos, seremos transformados em kitsch. O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento."

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