10 de junho de 2010

Zoon politikon

De onde surgiu em mim a descrença na política? Onde, presa em algum lugar entre as primeiras chamas e as velhas novas estrelas, se fez valer um sentimento de negação da política?

A minha introdução, sempre tão metalingüística, hoje tem fim cedo. Não me alongo no onde, no por que. Mas no aonde, no porque.

Pois, por mais absurdo que seja o mundo à volta, esse de guerras e cores tão diversas quanto são as transições entre as cores do arco-íris; por mais imoral que me pareça ser a idéia de simplesmente dar continuidade ao que já existiu; a crença na lealdade ao que já foi; e absoluta inesperança que me assola todos os dias antes de dormir e quando acordo; que bobo sou eu, esse que desiste, que desisti da poítica.

Embora, nos mais estritos termos, o ódio à burocracia seja compreensível; a crise dos sistemas, inquestionável; a corrupção dos políticos, já popularmente aceita; a estatística e o pedantismo, assassinos confessos da matemática e de toda ciência; a universidade, morta como a igreja; a seriedade, eterna repressora da alegria -- como tocar um negócio, senão pagando as contas? como passar os dias, senão com uma família? como não se enfezar com roubos e desvios? como não criar argumentos estatísticos? como não se adequar à gramática? como não respeitar um professor de verdade? como não levar a vida a sério?

(A resposta seria: virando um ponto de exclamação. Ou ainda: virando um sinal de ‘menos’. Ou: dividir por zero. Por último: sendo uma negação.) A resposta seria: negando tudo. Negando o mundo. Negando a si. Por que? Porque negar-se é a mais fácil das covardias. E desistir em frente à burocracia, é covardia

não, repara, porque a burocracia seja em si um símbolo qualquer de elevação, coragem ou bem – não porque ela mereça ser levada mais à sério do que a vontade de negá-la; não porque os ódios, algodões-doces, vontades de explodir e de explodir-se sejam atos de descoragem, mas porque eu (e esse texto é absolutamente pessoal, não importando o tom com que escrevo), porque eu sou o que eu sou, e vou acabar indo aonde o que eu sou vai. E eu fui bobo.

É covardia pra mim, porque eu posso, todo esquematizado, desistir. Em vários níveis. A burocracia, o sistema, a corrupção, a estatística, a gramática, a universidade, a seriedade: estão desde o ato de acordar com despertador até votar no 12, 13, 15 ou nulo, e além – até fazer amor de frente ou de lado – até escrever em parágrafos ou versos – até ver um filme e se emocionar ou criticá-lo  - até um aperto de mão depois de uma fala – até um xis marcado numa questão de prova – até escolher duma lista uma profissão – até escolher um nome de um bebê – até substituir vírgulas por travessões – até sorrir, sonhar, beijar, cheirar, amar. {Desistir de tudo isso?!}

O que é – senão política – amar, cheirar, beijar, sonhar, sorrir, acordar com despertador, do próprio jeito? O que é ter a audácia de despertar sem o despertador? De amar sem nomes, talvez sem Amor, de beijar os sonhos, cheirar os sorrisos, trocar verbos por substantivos, não por tendência modernista, mas pela mais pura, ingênua, inlapidada, expontânea vontade de ser tudo aquilo que parecemos desde sempre ter sido feitos para ser? O que é a política, senão a na veracidade dessa vontade – o abandono à sinceridade do querer (e do não querer também!)?

Eu, animal preso na interseção entre selvageria e ortodoxia, poeta que pinta com a matemática, músico-burocrata, desenhistabailarino, que sou eu? que devo fazer eu? senão potencializar – não um ou outro – mas o poder que reside no exato fato de eu ser ambos, de eu ligar os dois! Eu sou ponte. Eu sou anfíbio.

Eu sou ponte que liga este a um mundo melhor. Com toda a ciência de que um mundo melhor inexiste. Com toda ciência de que eu não ligo nada. E que trabalho mais grato poderia haver que o de ser ponte invisível inefável inútil? Irresponsável.

Eu sou esse meio caminho entre o que há de mais anárquico e o mais autoritário. Eu sou porta-bandeira do novo, escalador de uma montanha que, sim, uma montanha que já existe! mas que nem por isso não deve ser escalada. Eu não preciso criar uma montanha nova – mas lá de cima, eu poderei ajudar tanto mais a criar montanhas, a destruí-las quando assim for objetivo, e outros a escalá-las, (no meu dever de professor que tanto almejo).

Um cargo público, de economia, direito e burocracia – pode ser um passo. Talvez absolutamente necessário para que eu possa continuar respirando o ar da forma que eu quero respirar. Um cargo político – pode ser uma experiência. Um servo do Estado rebelde e anarquista, sorrateiro e delinqüente, que tem nas mãos, não a democracia, a liberdade e os direitos - mas a inteligência, a vontade e os meios; um sentimento de diplomacia e de pátria que vai muito além das relações internacionais ou do nacionalismo – mas um agente diplomático entre seres humanos (não entre interesses), um sentimento de pertencimento (não a um país) ao mundo e a todos aqueles que se pretendem também políticos, hasteadores de bandeiras das montanhas do mundo todo.

Sou eu, voz de uma onda, degrau de uma escada. Animal político a levar (o que? sei lá!) ao mundo. Porque é isso que eu sou: um pedreiro, mexendo o concreto, aplicando asfalto. Preparando-te a estrada. Não me menosprezes: não deixes de decolar. Tu, que lês, talvez, o meu segundo texto mais sério.

8 de junho de 2010