20 de novembro de 2017

Dialogo de meia idade à beira da cama

Com o olhar de quem conheceu intimamente a solidão. Assim foi que nos cruzamos, ainda que não soubéssemos na época. Desejávamos, ah como desejamos, companhia para nossa alma tão torturada, tão calejada — de quê? Mal o sabíamos nós, mas queríamos que nos advinhassem. A felicidade que juntos sentimos quase destruiu tudo, porque a nossa alma, afinal, se assentava sobre a tristeza. Quando foi que optamos pela alegria? Quando foi que desistimos de fazer silêncio? Quando foi que paramos de condenar os nossos encostos e passamos a tratá-los como vivos, como iguais? Quando foi que nos consideramos vivos? Quando foi que paramos de nos vingar e assumimos a responsabilidade pelo nosso destino, por nossa felicidade? Quando foi que abdicamos da culpa e da vergonha e, sim, mesmo da raiva, para ir além? De onde veio esse ímpeto, meu amor? Por que parecemos tão pouco numerosos? Já sabemos que não somos tão raros quanto julgávamos na adolescência. Já nos descobrimos banais. E, no entanto, tu pareces tão rara. Teríamos conseguido arrancar das fadas da nossa puberdade sofrida as asas de fogo com as quais sonhávamos em ascender? Terá nossa imaginação tão fértil cavado um furo na realidade, teremos tocado o fio do nosso porvir? Como — não era tudo vã juventude? Estaremos nós senis?

Não sei, meu bem. Acho que estamos apenas cansados.

16 de novembro de 2017

Rezar pelo aprendizado

Pai nosso que moras em mim,
Expande-me o peito para que eu possa receber,
Ainda quanto pareçam um punhal,
As palavras que me dilaceram a alma.
Que meu coração cresça com cada vão insulto
Como se das rachaduras viesse a nascer
Uma flor.

Que a humildade ilumine minha força
Tanto quanto o véu ilumina a Justiça.
Que com isso eu não me embote nem me iniba,
Mas tão-somente tempere com fractais de consciência
Meus atos insuficientemente ponderados.

Que a gentileza, comigo e com os outros,
Tenha por substância o fio do meu intelecto
Com o qual eu corto, rumo às profundezas de nós mesmos,
Os arbustos que obscurecem a nossa visão.

E que o que antes era intenso e cortante
Se sinta agora
Como torniquete em volta do espírito,
Suavemente a comprimi-lo
Para que ele não se desfaleça
Diante da dor.

7 de novembro de 2017

Gracioso para fora

A crueldade proposital quase sempre machuca menos que a incidental. Perdoamos com mais facilidade o que é feito de forma consciente, e inclusive malvada, porque aí podemos discordar e amaldiçoar. De semelhante luxo não dispomos quando, por fraqueza, o outro nos é cruel sem pretender.

One must practice mindful cruelty. Da mesma forma que um mau texto pode nos tornar melhores escritores, assim também a intimidade com nosso veneno pode nos tornar balsâmicos.