23 de agosto de 2010

Abrir os olhos

O amor começa por uma metáfora,

 

mas, embora chovesse, não voltava o amor à casa. A chuva, que  antes causava vibrações ao simples estalo dos primeiros pingos, não é senão um compasso fora de ritmo agora, que tenta contar os tempos de um coração cuja bateria não permite mais a regência do corpo – um maestro com mãos desobedientes e uma vontade de sucumbir quase irrefreável.

Chovia e podia, assim, ver no cheiro de terra molhada como que a essência de um amor que já morrera. Via-o diluído em atmosfera, fumaça de vida no balançar das árvores, neblina perdida nos sopés de montanhas… Sempre as metáforas.

É por elas que seu amor, agora ex, havia se delineado, num encontro de quatro ouvidos que ouviam, no bater do mar, não as ondas quebrando, as espumas se formando, a areia se molhando – mas uma sincronia com o infinito, um êxtase sonolento, uma necessidade de se beijar.

Creio que não percebiam, à época, que quando se diziam ‘eternos’ (e, ó, com que freqüência o faziam!) não falavam de si, tampouco do seu amor. Falavam é das metáforas que haviam criado, estas sim, eternas peças de um universo bem maior que eles dois…

Mas nada disso lhe passava à cabeça. Naquele dia, era insensível às metáforas - uma tentativa de se tornar insensível ao amor que elas causam. Por isso, quando um pingo lhe caiu no ombro, ele não só fez questão de puxar um guarda-chuva, como também murmurou palavrões direcionados ao céu.

Talvez, se ele enxergasse como eu, teria visto que não demoraria muito para que o próprio corpo projetasse em si as metáforas que ele agora evitava: não demoraria muito e ele veria no rosto chover o mar salgado que os beijara anos antes.

Na semana passada, quando você me chamou para conversar, eu fiquei assustado. Achei que ia ser ruim, julgava-me incapaz de reviver aquelas vibrações. Mas não. O que aconteceu foi que eu pude reconciliar a paz com as antes-nossas metáforas. E o amor que eu tinha por você, que tenho e que sempre terei, continua ali eternizado no universo – afinal, ele voltou para casa.