29 de dezembro de 2012

Enganando os paralíticos

Às vezes, o melhor que podemos fazer, enquanto mestres, é errar. Freqüentemente, a frustração deles ao nos perceber imperfeitos é tanta que não terão outra opção a não ser tentar nos corrigir – isto é, nos superar. Sem perceber, estarão superando a si mesmos.

28 de dezembro de 2012

Escrita sem tese

Eu sou viciado em teses. É difícil me conceber lendo um texto sem que, nessa leitura, eu procure decifrar ou extrair a afirmação de uma idéia, de um modelo, de um estilo. Nessa madrugada, eu tentei imaginar um texto sem tese.

Primeiro, veio-me a poesia: não seriam os bons poemas --- textos sem tese? “E não pode ser esse o motivo da tamanha dificuldade que você tem de ler poesia?” Mas eu luto contra essa idéia: acho que mesmo nos poemas, e talvez especialmente lá, há teses. Nossos poetas têm uma tarefa grande demais, são responsáveis demais, para viver – para escrever – sem com isso afirmar, defender, e proteger certos modos de viver, de ler, de pensar, de sentir. Os próprios pré-requisitos da poesia precisam ser defendidos – assim como todo texto em prosa ensina os nossos estudantes a ler melhor – também o silêncio precisa ser defendido pelos poetas, também o ritmo, também a sutileza. Todo poeta diz, com seu poema, que é bom ler poesia. Que é útil, que há um porquê. (Todo? Mesmo? Como saber se não é você, Stefan, quem projeta nesses poemas suas teses?)

Em seguida, veio-me o sexo. Decerto, pensava, as pessoas transam por transar, e nada mais. Mas também isso é mentiroso. Quantos não são culpados de usar o sexo como argumento para o amor? Em outras palavras, quantos não pretendem, nas suas noites em seus colchões, provar – ao companheiro, a si mesmos – a tese de que amam? Muitos casais o fazem mutuamente, perdoando um ao outro. Alguns, um pouco mais perversos, dirão que existe inclusive uma correlação entre dar-se no sexo e amar. E passam a se dar, com uma intensidade forçada e uma artificialidade explícita (e triste), não porque querem, não por instinto, não por desespero – mas por amor! Aliás: não por amor! mas para provar o amor. Um sexo-argumento. Um amor-tese.

E vocês entendem como isso soa pejorativo? Como parece errado? Vocês percebem meu desejo de acabar com as teses? De chegar lá onde elas não sejam necessárias? Onde elas não sejam possíveis? Foi nessa madrugada que eu imaginei um texto sem tese. Logo depois de atribuir, à própria madrugada, uma tese própria: eu disse dela “que possui um valor anti-civilizatório”, pois “resgata um silêncio ingênuo mesmo no meio do caos urbano de uma metrópole”. Será possível escrever o silêncio – não sobre ele, não a favor dele, mas – ele mesmo? Haverá miserável tão miserável que sequer legitime sua miséria? Poeta tão poeta que não use seus versos para uma idéia, mas que seja por eles usado? Uma transa tão desesperada, tão profundamente animal, tão expansivamente ensimesmada, que não sobre espaço para as teses (nem mesmo para o amor)?

Tão livre que sequer a liberdade precise ser por mim afirmada?

Tem que haver. O universo não faria sentido, se não fosse assim. E a resposta, como você mesmo percebe e sugere a todo o tempo, não está nas coisas, mas naquele que as percebe. Você vê? Que esse texto nada mais faz do que encobrir um sentimento profundamente sem tese? Que o seu desejo de escrevê-lo é um desejo de enfraquecer essa parte da sua cabecinha que insiste em pôr nas coisas teses? Que, por detrás dela, por trás da sua dor de cabeça!, há como que vida em seu estado puro? Algo que tremelica, esquenta e pulsa, como que querendo sair? Talvez hoje, nessa madrugada fria, saia em forma de lágrimas (mas não seriam lágrimas tristes: até porque isso seriam lágrimas-argumento para provar uma tristeza-tese: “choro porque estou triste”, “veja como estou triste: estou até chorando!”), talvez saia em forma de um texto quase perfeito. Talvez um sorriso, ou um sonho, ou sabe-se lá de que outras formas pode-se viver (poesia? transa?). Mas que saia.

Que saia.

26 de dezembro de 2012

Mais animal

Eu não suporto as tuas poesias elevadas e certinhas, em que você vai lá “brincar com as palavras” e vai torturando elas até elas ficarem dóceis e perder toda a força. É isso: as suas poesias não têm força – ficam falando e falando do céu, do mar, das nuvens e das estrelas, dessa beleza escrota e maltrapilha com a qual você flerta, porque é incapaz de encontrar beleza aqui no chão e no teu próprio corpo. Com um corpo imundo desses, de fato, eu entendo a tua dificuldade: também eu o escavei e nada encontrei. Entre as tuas pernas, nenhuma abertura: lisa e brilhante como uma boneca americana, sem passagem, sem caminho. Pra chegar até você, como faz? É por cima? Através desses céus que você pinta com as tuas palavras estéreis e ingênuas? Você quer o quê? Que um cavaleiro das nuvens descenda dos reinos divinos e te estenda a mão, amando-te assim à uma distância segura, lá no alto? Ah, por favor! Como você faz amor? Porque a impressão que eu tenho é que você é incapaz disso; você já ficou nua? Porque, em todas essas vezes que você se desacobertou, parecia que tinham mais e mais camadas de palavras e sentimentos fraquinhos e debilitados com os quais você se esconde, profundamente, muito profundamente se esconde. Cadê tua nudez, cadê? Como você vai fazer amor, assim? “Pelas palavras”? Mas, pelos céus! Amor a gente faz com caralho e boceta! Arranca-te desse céu que não te pertence – arranha-te, morde-te, machuca-te, vive, ama. Porra! Dor de cabeça escrota.

23 de dezembro de 2012

Escolher escolher

Qual sofre mais? O que tem que escolher um dentre dois desastres, inexoravelmente terríveis?, ou aquele outro, bem mais raro, que tem que escolher uma dentre duas maravilhas?

O que acontece quando não tomar a outra opção – qualquer seja a que se tenha tomado - é o maior erro de sua vida?

22 de dezembro de 2012

Com carinho

É como se uma mão abrisse o seu peito, mas, em vez de doer, fosse como uma massagem no espírito. E aí, aos pouquinhos, você vai todo se abrindo, quentinho, confortável – nessa hora pode ser que escorra uma lágrima, depende –, e aí você derrete – não de calor, como aqui no Rio –, mas de ternura, você se liquefaz, literalmente torna-se menos sólido, e começa a, verdadeiramente, ocupar todo o espaço do seu corpo (como um líquido a seu recipiente), tornando-se estranhamente cônscio do limitado espaço que você ocupa no mundo; estranho, porque, ao mesmo tempo, você se sente ligado, por sangue ou raiz, àquelas estrelas no céu e àqueles beijos na tv, e as canções fazem especial sentido, viram puro prazer, e essas carícias todas tornam-se gradativamente insuportáveis até que, desistente, você suspira, e é como se suspirassem com você todos os animais e todos os insetos e todas as cores, porque você suspirou o mundo inteiro naquele suspiro, e aí você goza, e isso, você sente vontade de exclamar, isso é a felicidade, isso é um orgasmo.

O maior de todos os tédios

“Eu não compreendo… Digamos, então, que eu faça como você diz. Que eu guarde para mim o direito de tratar a vida com escárnio, que eu ria das ilusões de grandeza dos homens, que eu me esforce por enxergar as escolhas do cotidiano, que eu me torne meu próprio senhor – não por escravizar uma parte de mim, mas precisamente por alforriar aquela que sempre se manteve enjaulada –, que eu me torne mais forte e que eu também busque fortalecer aos outros, que eu repare nas minhas egocentrias e passe a brincar com elas, que eu borre a fronteira entre o que é espetáculo e o que é vida, que eu me permita divertir com a minha pequenez, que eu descanse muito, que eu morda e arranhe e espanque, que eu me torne mais livre, que eu me torne mais homem. O que há de ocorrer então? Tendo que fim em vista você propõe todas essas coisas? O que há de sobrar do homem que o seguir? Que fará ele quando chegar ao topo dessa montanha?”

“Meu caro, é preciso dizer que uma parte de mim é absolutamente solidária ao seu questionamento, e eu preciso, sim, elogiar a sua imaginação, que a tantos nesse mundo falta e cuja ausência tanto impede a capacidade de pensar. Mas seria muito mais certeiro eu admitir, não a minha simpatia pela sua pergunta, mas o meu desapreço por ela – porque, de fato, pouco me importam os fins. Apraz-me infinitamente mais estudar os meios e os modos – o estilo! Creio termos sido todos mal educados na nossa estima pelos fins, mas isso é papo para depois. Farei, agora, o possível para responder-lhe o mais na sua língua possível. De outro modo, afinal, seria contraditório.

Quando me esforço por imaginar esse homem a que nos referimos, quando me esforço por imaginar os fins desse homem, pouco encontro. Consigo imaginá-lo, por exemplo, num descanso crescentemente intenso, um homem cujas rugas lentamente tomam conta da cara, o seu corpo - já completamente doado à vida - lenta mas ferozmente se tornando pó. São decerto sombrias as imagens que me aparecem! Mas não faz sentido que um homem que absorva tanta luz do mundo não se torne, com isso, um pouco mais escuro? Pois, se me esforço um pouco mais a imaginar o fim desse homem, logo vejo que não é feito de sombras. Esse homem, que por tanto tempo aprendeu a deixar entrar luz em si, há de encontrar uma forma suficientemente adequada para fazê-la sair! Todos os grandes homens se tornam educadores da humanidade! A sua finalidade é externa: ele escreverá um livro, ou comporá alguns poemas, ou iniciará uma passeata – ele irá terminar de se doar. E, se ainda assim ele se entedia, se ainda assim ele consegue absorver muito mais luz do que consegue dar conta de refletir, ah meu amigo!, aí sim esse homem terá a maior chance de sua vida, sua maior provação; lá, onde todas as tarefas são insuficientes, onde não há trabalho grandioso o suficiente para preenchê-lo, quando a natureza efetivamente lhe prega uma peça e como que diz: – Aquilo que eu lhe dei antes como hercúleo dever era meramente um preâmbulo ao que vem pela frente! Aí, meu caro amigo, esse homem se tornará pai.”

Tesão intelectual

Meu amor,

Eu vou te penetrar com o mesmo vigor com que escrevo meus melhores textos.

18 de dezembro de 2012

Disse ao palestino:

"Você tem tanto direito de me culpar quanto eu de não me sentir culpado.”

16 de dezembro de 2012

Convite à experiência

Quer se sentir pleno e satisfeito consigo mesmo? Tome uma decisão difícil e importante, mas com cujas conseqüências você só terá de lidar daqui a um mês! Ei-lhes uma fórmula razoavelmente eficaz para experimentar o oposto da angústia: serão quatro semanas iluminadas.

Os perks do eremita

De tudo que posso lamentar que o mundo tenha tomado de mim, resta-me a certeza inabalável de que, também eu, tomei algo do mundo. Mais interessante que isso: eu e meus colegas ganhamos, ao longo dessa viagem que vimos empreendendo, uma maneira simples, porém adequadamente discreta, de nos identificar e de com isso jubilarmo-nos em nossa estranheza, diminuindo assim nossa solidão: todos nós temos um sorriso, ligeiramente mais profundo que as nossas linhas faciais, perceptível através dos cantos dos nossos olhos em se olhando-nos de lado. Trata-se de um sorriso algo jocoso, quase irônico, desingênuo – um verdadeiro consolo!, para aqueles momentos em que a alegria se encontra atrás de uma montanha um pouco --- grande demais  para os nossos atuais pés, ou para aqueles necessários momentos de descanso na nossa merecida preguiça.

E talvez isso baste.

Apaixonados, escrevem mais.

15 de dezembro de 2012

nome de banda: Os Epistemólogos

A racionalidade é algo que aplicamos ao mundo a posteriori.
(E isso é tarefa importante, mas cuidadosa - a ser feita com esmero de poeta!)

O único instrumento que possuímos para tatear o mundo é a intuição.

14 de dezembro de 2012

Não-livre

Não há mérito algum em seguir as regras, se você é incapaz de não as seguir.

12 de dezembro de 2012

Os objetos que nossa sombra obscurece


Ai do arqueólogo que volta suas lupas para si mesmo!

Quanta literatura não será necessária para dar ares aceitáveis para tornar digeríveis – essas descobertas de mim mesmo?!

Contra os neutros!

“O estilo obscurece”, dizem os bandeirantes da objetividade e da aridez – os mesmos que, há não muitos anos, pelos mesmos motivos expulsaram os poetas da cidade. Ora! A sabedoria está em perceber que também a recusa ao estilo - também a vontade de não o ter – é um estilo. Péssimo, mas ainda assim um estilo.

10 de dezembro de 2012

Primeiro o silêncio

É um reflexo da liberdade – e não uma causa! – a capacidade de lutar pelos próprios direitos.