22 de julho de 2013

Uma verdade feminina

Nem sempre dizer a verdade é o jeito certo de ser verdadeiro.

20 de julho de 2013

A contradição daquela que os cria e a força daquele que os detém – Sobre os chifres

No meu mundo, é impossível trair aos outros. Podemos apenas trair a nós mesmos.

João e Joana são um casal. Ainda num relacionamento com João, Joana fica com Carlos. Nesse momento, diz-se que João é um corno – e que Joana o traiu. No entanto, o relacionamento de João e Joana continua. Quisesse Joana realmente ficar com Carlos – ela deixaria João e ficaria com Carlos. Mas ela não deixa João. Apesar de, nítida e obviamente, poder ficar com Carlos – ela não deixa João. Ora, se “ficar com Carlos” foi realmente uma traição… Não podemos dizer que Joana --- é fiel a João, apesar de tê-lo traído?

Digamos que não, que ela não é fiel a João. Isto é: que ela não queira realmente ficar com João. Ela quer, realmente, ficar com Carlos – ou, até, não ficar com ninguém. Nesse caso, ela está indo contra o que realmente quer. Ela está traindo a si mesma. A contradição daquela que cria os chifres é entre o que ela realmente quer e o que ela faz.

Quando Joana ficou com Carlos, João ganhou um par de chifres. Esse par de chifres diz ao mundo todo: “Minha mulher, apesar de – nítida e obviamente – poder ficar com quem ela quiser, escolhe permanecer num relacionamento comigo”. A força daquele que detém os chifres é que, apesar das traições, permanece uma fidelidade.

O problema é que não é assim que funciona. Vão me dizer que a verdade é que Joana não se importa com João – vão dizer que ela se aproveita dele, que o humilha, que o faz de bobo.  A verdade, vão me dizer, é que Joana só está com João por aparência. Ela quer o dinheiro dele, ou o prestígio social dele, ou sabe-se lá o quê dele: ela quer algo dele – e não é o amor, nem o pênis.

Nesse caso, meus caros, eu tenho que concordar: Joana é uma puta traidora. Mas não, eu insisto, porque ela ficou com Carlos! A traição dela veio antes – a traição dela está em ficar com João pelos motivos errados. A traição dela está em ficar com João sem que ela realmente queira. Joana trai a si mesma.

Mas e Carlos? Carlos se importa com Joana? E se Carlos ama Joana? Não é verdade que, ao permanecer na relação com João, Joana trai a Carlos, ao amor de Carlos? Cada dia que Joana volta pra casa de João, que faz seu jantar e dorme na mesma cama que ele, Carlos sofre. Ele ama Joana e a quer ao seu lado. A intensidade e a sinceridade do que sente estão acima dos valores sociais tipicamente cultivados: que importam a ele os casamentos, os sobrenomes, a “família”? Ele a ama! E todo mundo sabe que ninguém ama dessa forma sozinho. Carlos sabe, no fundo de seu coração, que ele foi correspondido. Carlos sabe que é apenas por covardia e por inércia que Joana não se desprende de João. Carlos sabe que Joana, de fato, o ama – mesmo que ela não saiba.

E a cada dia que Joana não enfrenta sua covardia – ela trai Carlos.

Mas aí vão me dizer: Joana não ama Carlos. Lembra-se? Ela é uma puta! Ela se diverte com Carlos. Ela gosta é de estar nessa posição de traidora. Ela gosta de rir com as amigas, dizendo que traiu o marido na semana passada. As amigas, velhas e enrugadas, não conseguem mais atrair um homem e, portanto, não conseguem trair seus maridos. E é por isso que ela sempre volta a João. Em realidade, como havíamos dito, ela é fiel a ele, porque é dele que ela tira esse sentimento de poder, essa diversão cruel: sem um marido bobo para humilhar, que graça tem a vida? O que quer, realmente, Joana? É ela uma puta que quer realmente viver esses prazeres sádicos? Pois então, ao ficar com João, ela está sendo sincera! Ao “trair” João com Carlos, ela está sendo sincera! Sincera a si mesma!

O problema é que não é assim que funciona. Joana de fato ama Carlos – e percebeu isso através dos seus sonhos. Não apenas os que tem durante a noite, mas – principalmente – os que tem durante o dia. Não é em João que ela pensa quando tem um dia estressante no trabalho, não é com ele que ela pensa em dividir o bonito pôr-do-sol que avistou da janela do ônibus. Não é ao lado dele que ela se imagina levando o pequeno Léo ao parque. Joana ama Carlos. E todos os dias se culpa por não conseguir se desprender de João. Mas que escolha tem ela? João é um homem rico, por quem “se apaixonou” ainda jovem e, sem ele, como poderia ela cuidar de sua mãe doente? Carlos, por lindo e apaixonante que seja, não tem um tostão. A situação atual – casada com João, ficando com Carlos, cuidando da mãe – é a situação em que ela é menos traidora, ela pensava. Sei, pai nosso que estais no céu, que traio a mim mesma, a Carlos e a João, ao permanecer nessa situação, mas eu seria uma traidora muito pior caso eu matasse minha mãe. E se eu parasse de “trair” João com Carlos, eu estaria traindo a mim mesma e a Carlos de maneira imperdoável. Eu escolho, Deus, a menor traição.

Mas a menor traição, meus caros, ainda é uma traição. Joana trai a si mesma. A crueldade que vocês tinham lhe imputado por ser uma traidora – precisamente era essa a crueldade que faltava a Joana, para que ela parasse de trair. Porque ser sincero inclui ser cruel. Se Joana conseguisse ser um pouco mais cruel com sua mãe e um pouco mais cruel consigo mesma (pois ela certamente sairia dessa muito lesada, com o nome manchado e com menos amigas) – talvez ela conseguisse viver seu amor com Carlos e cuidar do pequeno Léo com a sinceridade e a intensidade que ele merece. E Joana saberia ser cruel com o pequeno Léo. Porque aqueles que sabem ser cruéis com seus pais -- sabem ser cruéis com seus filhos. E é preciso que sejamos cruéis com nossos filhos. Faz parte do nosso respeito por eles. É apenas a crueldade que nos permite rir de La Vita (che) è Bella.

Haverá quem queira realmente não trair? Enveredar-se pelos caminhos da verdade e da sinceridade? Lembremos sempre a importância da penetração para a vida. Lembremo sempre que o oxigênio é um gás combustível – que o queimamos para viver. Lembremos sempre que temos caninos para arrancar a pele de animais menores. Lembremos sempre que nosso estômago trabalha com ácidos. Lembremos sempre que os arcos com que se tocam os violinos são feitos de crinas de cavalo. Lembremos sempre que o amor é egoísta e ambicioso. Lembremos sempre de escrever com sangue, de amar com o coração. E que, se formos nos suicidar, que explodamos com fogos de artifício.

2 de julho de 2013

Cansado demais para chorar

Uma "injustiça": 
É nos invernos mais frios que precisamos racionar com mais rigor.