29 de abril de 2017

Por um Yin Yang ocidental

Não pode ser forte quem não sentiu intensamente a fraqueza. Os mestres dizem 'encontra tua força', mas isso só pode ser feito na fraqueza. O mesmo se passa com quem deseja 'encontrar a si mesmo': precisa ter se perdido primeiro, precisa estar perdido. Os desertos escondem mais tesouros do que os pastos verdes. É no deserto que as pessoas se fazem. É no frio que o fogo arde com mais vigor. É na solidão que encontramos a nossa própria companhia. Nós nos tornaremos amor quando ele nos escapar. Desejo o seguinte aprendizado para o futuro: que se invoque a solidão antes de ela se fazer presente. Que as rédeas sobre ela tenha-as tu, pois bicho nenhum é mais selvagem do que a solidão inesperada. Não a temas; ela fareja o medo e o retribui com as mordidas mais profundas que a tua alma jamais sentiu. Mestre é aquele que fez da solidão uma amiga leal. Respeitemo-la. Amemo-la. 

18 de abril de 2017

Na crise

Nada mina tanto o potencial da humanidade quanto a perspectiva de conforto no futuro.

A noção moderna de aposentadoria não é senão a secularização do julgamento final (dos bons), encontro do prometido descanso. Desejar a aposentadoria é como desejar a morte. Deixemos esses assuntos para Deus, meus caros. Quanto a nós, concentremo-nos em viver: sem anteparos nem garantias. 

6 de abril de 2017

Consolo de si para si

Quando sentir vontade de desistir, desista o mais rápido possível. Que venha — e vá — a dor, a culpa, o choro, o medo. Nos nossos tempos, a força está com aqueles que reconhecem em si as fraquezas. Sem as bajular, mas sem as desmerecer. Mora um suicida em nós. Estendamo-lhe a mão, convidemo-lo para um chá. Paradoxalmente, ele irá embora quando o deixarmos entrar. Aos poucos, por debaixo dos panos, a nossa força se cultiva e de surpresa ela nos arrancará de nós mesmos — coisas incríveis faremos quando menos esperarmos. E é sempre assim. Em silêncio nos tornamos quem somos: o grito e o choro do parto são senão a coroação de um longuíssimo processo intra-uterino. E é de surpresa que nascemos. A queda não é falta de força. O crescimento obedece ao movimento de pulsão (encolhem e expandem). Os músculos se desenvolvem no descanso. A flexibilidade vem do relaxamento. O não precede o sim. O amor — — virá.

Os mestres que queremos ser

Nós, que fomos​ criados sem pai, sofremos duplamente quando tentamos nos superar. Falta-nos a profundeza do amor de um mestre que não nos poupa; de forma que, ao se nos exigir força e enfrentamento, sentimos apenas a dor e interpretamos as ordens como raivosa vingança — pois só isto conhecemos em nosso coração. Precisamos parar de nos vingar de nossos pais, abandoná-los por completo. O pai amoroso de que carecemos, nós mesmos o seremos; e para isso precisaremos receber nossas fraquezas, vícios e defeitos com braços abertos. Mais profundamente do que nos amaram precisaremos nos amar. Acima e abaixo de toda ordem deveremos nos impor com peito aberto e criar amor ali onde não o há. As crianças medrosas que éramos seremos de novo e de novo, mas não para sempre: pois de cada choro retornamos convalescidos e fortes, cada vez mais paternais conosco, cada vez mais carinhosos e firmes — cada vez mais impetuosos e exigentes. O nosso coração nos exige a força. E, uma vez que abdiquemos de a receber do berço, de nosso Pai, uma vez que nos aceitemos órfãos de Deus — aí sim poderemos começar nossa ascensão. Matamos nossos pais para que pudéssemos parir a nós mesmos. Tornamo-nos ateus como quem se torna criminoso. E perdoados — por nós mesmos! — renascemos. Amai. Amém.

3 de abril de 2017

Perda

Senão gritos e dor, só,
Rio sem vida
Vazio e menor.

Eu.

2 de abril de 2017

Sob olhares

Um pré-requisito para quem quer dizer a verdade: conseguir aguentar ser alvo de raiva.