20 de março de 2010

Réplica ao desconhecido

Como responde o poeta ao lhe versarem os olhos?
dirá ele, humilde e admirado, “são teus, obrigado”?
ou talvez, num tom cortês, “não te miravam – não, não desta vez”?

Independente- penso eu –mente do que faz o poemador,
não vejo-o senão sorridente, quiçá: avermelhado
- Ora, vejam só! Tenho, ao meu lado, não menos: um trovador!

Pois, ao invadir-lhe o terreno (tão só, tão ameno!),
mal espera o invasor: “Socorreste-me, ó”, agradece o poema-dor.

“Quanto do meu tempo se perdeu ao te esperar,
por que é que não vi-te antes, ó, musa do meu olhar?
O que vês, o que sentes? – fala, fala, não hei de te negar!”

“Ó, poeta dos olhos esverdeadors, cuja alma me enche de pecado,
(Não sabes quanto do tempo meu se passou em procurar, noutros, [os versos teus)
Não, nem imaginas, mas tuas palavras soam-me como as mais [lindas,
destas que se põem em cristal, a ser às damas doado em
[formando-se casal

Tal fazes-me sentir: uma mulher com teu amor-poesia presenteada
E agradeço-te, posto que me viste, me olhaste: eu, lisonjeada.

No entanto, querido poeta, te enganas e te atrapalhas.
Vejo, já agora, que tua alma antes a mim rica, enveludada,
não passa de mentiras e, céus!, tão mimada.

Se verdade fôr que me enxergas como salvadora do teu bosque
(no qual tu mesmo fizeste questão de te esconder),
permita-me discordar: “Que nojo de você”.

Encantavam-me em ti a doçura e expressividade, pensava: “quero-o
[meu em minhas tardes”
Encantavam-me em ti o sorriso tímido e a postura analítica, pensava [“quero-o meu, vou decifrar-lhe a cara”
Encantavam-me em ti a seriedade e o prazer e, mal pensaava, “lá vou eu, de poesia à prosa, aventurada”. Encantava-me em ti a explícita formalidade, quando – pela voz – percebia a tua vocação para a poesia. Tu és meu príncipe encantado e, no entanto, eu não me permito encantar: não sou mais adolescente, eu não me permito fingir voar. Permite a mim, não o vislumbre das alturas e dos céus-de-arco-íris, mas o mergulho nas tuas águas, sejam elas mansas ou marèadas. Não quero que me consideres um encontro, um achado, quero que possamos, os dois, perder-nos, um no outro, os dois no mundo. Eu sou teu início e não teu fim, meu amando mundo amado.