23 de abril de 2010

Eu-que-canta

Não, não é em termos técnicos que falhas, não é na não-subida de tom, ou na desacomodação ao ritmo, o espectro reduzido de freqüências que atinges, ou a suma incapacidade de cantares até o fim do verso.

Tu falhas nas notas que fazes, não com tua voz, mas com a dele (ou dela). Tu te esforças pra ser o vocalista que não és.

Não percebes tu que é tua voz que desejo ouvir? A tua e nenhuma outra? Por mim, jogavas fora teu violão, cantavas todo inteiro pra mim, fazias do silêncio teu instrumento, ressaltavas tua voz. Tua voz e nenhuma outra.

Tua voz é tão linda.

E percebe, quando te dirijo a fala: não é da falta de emotividade ou expressão que reclamo – chegaste mesmo a considerar que eu conseguiria ser indiferente àquilo que cantas? Não mesmo! Tua dor, tua face contraída, teus olhos esbugalhados; é tudo tão transparente, é tudo tão palpável… Se alguém em necessidade intransitiva de sentir, o escutasse: se apaixonaria, pois tu terias cumprido seu desejo, fazendo-a contrair-se ao lado da tua dificuldade e do ímpeto com que arranhas teu corpo (pois tu e teu corpo não vos dais bem: tu arranhas tuas cordas vocais, enquanto tua boca, invejosa do ouvido, se te torna importente)

- reclamo de como inibes tua voz, de como tentas desesperado fazê- -la outra, de como pareces desejar não ser dono da própria voz, como que te eximindo dela. Se algum dia reclamei da falta de força  com que cantas (e bem o fiz!), não foi um pedido de mais densidade ou mais aceleração, não: tu só soas fraco na medida em que pareces querer esquivar-te da força, da força de tua voz, pareces não querer admitir que és dono dela, que mandas nela, que tens força sobre ela.

Tua voz não é destituída de força: tu que não forças tua voz!

Tua voz é tão linda.

Ela tem um tom ingênuo, raspando a marca de infantilidade, faz-me querer apertar-te, segurar-te como a um ursinho de pelúcia: cuidar de ti. Pois tu soas um completo indefeso, pedindo colo, pedindo socorro, berrando a Deus. Como resistir a este sentimento que nos impeles: de sermos-te Deuses? senão com raiva…

Será que algum dia hás de perceber que não estamos nos apaixonando por aquilo que realmente és? Que adoramos teus instrumentos, tua vontade nos comove, e tua feição nos serena? mas que tu… nada nos fazes. Algum dia… largarás teu violão, teus espelhos, tuas palavras, teus conceitos – talvez até mesmo teus pensamentos e sentimentos (és forte a esse ponto?) – e só serás, só cantarás, alegre, o hino teu, só teu, só teu.

Algum dia me concederás a oportunidade de amar o que está plenamente sendo em ti – aquilo que plenamente és?

Algum dia escutarei tua voz?

Tua voz é tão linda.

17 de abril de 2010

É tempo

de escutar os próprios sonhos.

6 de abril de 2010

Feriado implanejado

Chove tanto. O dia foi todo feito de ócio, de não-fazeres, de dormir acordado. Meio bicho preguiça, meio adolescente apaixonado: tempo estranho, devagar mas rápido, gostoso mas vazio. Talvez, se houvesse rimas, uma poesia calma. Fechar os olhos: o metabolismo lento, um primeiro ciclo do sono. A vontade, já dormente, de sonhar. Um dia de anarquia, de inútil e improdutivo reinado. Ao lado do cavalo, mas ele só olha; e você, sem espora. Inspira o ar, segura-o, ouve o coração desapressado, respira primeiro na barriga, depois um pouco de ar no pulmão, ao mesmo tempo que um sorriso. Sonolento, passivo, balançante. A cabeça inclina, pára, vira. Não há rumo, não há determinação, meta. Uma espécie de liberdade comatosa. Vez ou outra se respira com mais intensidade, se ajeita a postura, se busca mais energia, ou mais desejo. Mas se volta: os músculos, e também os da alma, não permanecem tensionados. Nem chamar a nostalgia, amiga dos silêncios lentos, excita-a: a mente parece dormir, como que acudindo àquele pedido dos dias estressados, “chega de matemática”. Só resta – resta o quê? Resta um. Uma unidade de eu. Não as várias que, normalmente despertas, brigam sem parar entre si. Mas apenas uma, pacífica e soberana. O feudo de A Bela Adormecida, esperando: pelo princípe, ou pela maldição? Lá fora as pessoas morrem. A terra lhes sufoca o grito, e eu aqui tomado pela Terra.? Mas chove tanto!