20 de fevereiro de 2010

Responsabilidade

texto sob revisão

As pessoas desastradas não têm culpa de esquecer a chave do carro, ou a comida fora da geladeira. Se essas coisas são tão simples pra mim, então o responsável por elas é naturalmente eu. Isso é simples, faz sentido. Ponto. É praticamente uma idéia clara e distinta.

As pessoas desastradas, no entanto, podem – e costumam – ter outras qualidades, que não a arte de lembrar de pôr o bife na geladeira. Tampado. Elas podem, por exemplo, ter uma sensibilidade às coisas simples que escapa àqueles que lembram da merda do bife.

Digamos que ela seja uma ótima dançarina, ou desenhista. Melhor: ela é ambos. Talvez ela sofra volta e meia por não conseguir se lembrar da tampa do bife. Talvez ela tenha perdido uma refeição assim, talvez tenha deixado alguém doente. No entanto, se ela põe sua vida em perspectiva, ela deve perceber que a dança e o desenho são fundamentais pedras na sua vida. É algo que "ela “não poderia deixar de fazer”, embora às vezes deseje apenas se lembrar do pobre bife.

Se existe algo que “não podemos deixar de fazer”, significa que somos responsáveis por esse algo. Ela é responsável pela dança, pelo desenho. E aquele que consegue naturalmente tampar e guardar o bife, é responsável por ele, exatamente porque ele consegue tampá-lo e guardá-lo. Nesse sentido de responsabilidade (chamemo-a de ‘bife’?), surge a pergunta “sou responsável por escrever?” – e repara que essa é a tradicional pergunta-chave desse texto.

Ou talvez ela seja “pelo quê sou responsável?”. Uma pergunta que faz total sentido às vésperas do vestibular. (o que? Uma referência a um fato mundado de minha vida?! Quem mais acha que esse texto é diferente, levanta a mão o/)

Percebi há pouquíssimo tempo que um de meus motivadores para a escrita tem sido a vontade de ser bonito. Algumas pessoas disseram que eu consegui. E então eu fiquei lisonjeado e agradecido, longe de ‘satisfeito’. Foi bom, porque parace que eu percebi que precisava de outros motivos pelos quais escrever. Motivos ou motivações que, ao realizados, me suportassem, me crescessem. E não simplesmente me afogassem, como algumas vezes aconteceu.

E provavelmente é esse o motivo desse texto aqui: uma perspectiva completamente outra. Pois estou encarando a possibilidade de não escrever por um desejo (como em “quero ser bonito”), mas por uma responsabilidade (como em “preciso fazer algo”). Eu não sou como a desenhistabailarina  para quem escrever é uma ordem, natural e expontânea. Deixar de escrever não seria para mim um suicídio. Por isso, aliás, eu não sou um escritor. (o que não significa que eu não possa ser, mas esse não é o assunto.)

Na verdade, eu estou mais perto de ser responsável pelo bife, literalmente, do que por escrever. Guardar o bife é tão natural e expontâneo, faz tanto sentido, e é tão heróico: já salvei muitas pessoas de serem envenenadas! Tudo devido à minha incrível facilidade em fechar e guardar…o bife. E olha que eu não sei dançar nem desenhar.

O que eu sei, além de, claro, o bife? O que eu sei que me faz responsável? Esse texto, por exemplo: já passou do 3000º caractere e, aparentemente, alguém ainda o está lendo. O que ele tem de mais? Por que eu ainda o escrevo, e “você” ainda o lê? (a propósito, não se engane: ler é uma atividade, não uma “passividade”, e também implica em responsabilidade).

De fato esse texto é especial: eu sou responsável por ele. Deixar, ou parar, de escrevê-lo seria uma traição e um suicídio em menor escala; ele é algo que eu “não poderia deixar de fazer”.

Então, eu já disse que sou bom com bifes. Que mais? [Com o intuito de adiar ainda mais o momento em que eu respondo isso, eu talvez deva dizer do que eu fiz antes de começar a perguntar isso. Talvez eu deva analisar o que eu escrevi até hoje. Boa parte “disso” começa cronològicamente com Friedrich. E por “disso”, eu quero dizer esse blog. Antes dele, meus textos serviam a outro propósito, eu acho. antes, além dos textos para escola (de que eu sempre pude extrair prazer), eu escrevi… Gritos. É, talvez não tenha mudado muita coisa.

Eu escrevia os gritos mais racionalizados e não-gritados que eu já ouvi. Eu elaborava sistemas, debatia lógica, causas e efeitos, métodos. Assim eu me encarava. Cheguei às verdades mais frias, aquelas que hoje eu chamaria de menos verdadeiras, e sofri por não ter me permitido sofrer. Eu literalmente discursava sobre meus sentimentos, tentava fazê-lo caber numa redação de vestibular. é engraçado, é trágico. Eu dava nome: Psychological Mindstorm. Nunca tive intenção de ser bonito, escrevendo o que eu escrevia. Mas talvez tenha sido no meio daquele turbilhão de seriedade e lógica que eu descobri, fria mas verdadeiramente, a minha vontade de ser bonito. Um excerto: “…”

Depois eu fui mudando. Crescendo em direções estranhas. Não vou preencher o gap entre os meus mindstorms e meu Friedrich: basta dizer que eu cresci, que fiz muita terapia, que me apaixonei, que mudei. Mas não mudou a vontade de ser bonito. Na minha “festa irracional do nada”, a palavra-chave era festa: queria ser alegre, animado, feliz, bonito. Festas são bonitas.]

Talvez eu devesse destacar a “fluidez”  do meu texto. Disseram-me “seu texto tem uma fluidez, construída”. Eu não sou fluido por natureza, mas sou capaz de construir fluidez. No mínimo. O que mais tenho capacidade de construir? Porque, com o que é “natural”, não sou muito bom. O natural, pra mim, não é bife. Talvez eu não seja o melhor de todosem descobrir algo, mas eu sou o melhor em transmitir, em reescrever, em reestruturar a informação. Sou…Didático? Sou bom como ponte: te levo para mais perto, embora eu não tenha idéia de que do que, ou de onde.

Sou bom com sistemas, com problemas, com análise, processo, e solução. Eu sou, de alguma forma assustadora, muito concentrado. Muito focado, certeiro, preciso. Se eu colocar em outras palavras, perco a vergonha de dizer: “sou cientista”.

O problema é quando isso parece me afastar da sensibilidade, da arte, do artista. Até agora só me apaixonei por artistas. É o meu desejo, de ser bonito. E não é para menos que eu me assuste ou fuja quando me olho no espelho assim: de gravata, preso, dentro de um método. Eu sou o melhor nisso, sou responsável por esse método, sou responsável pela ciência e por transmiti-la, mas odeio isso! E sinto-me hipócrita quando vejo que amo a sensibilidade, a feminilidade das coisas, a anti-ciência, a liberdade.

Viu esse último parágrafo? Ele é tão forte que (claramente) fugiu do meu controle. Precisei de vírgular, de substantivos, de exclamações. E é por isso que eu passei tanto tempo escrevendo, lendo, vendo filmes, tentando ser bonito.  Porque volta e meia eu explodo, como acabei de fazer. É uma explosão de vontade   de desejo   de ação. É bem diferente da minha concentração (que eu mal-interpretei como calma tantas vezes).

Talvez sejam opostos, a minha explosão e minha concentração. Com raiva da segunda, eu tentei maximizar a primeira, ‘explodir o máximo possível’. Isso também gera sofrimento, porque isso também é tiranizar uma parte de si mesmo. O que sempre causa sofrimento, o que sempre é injusto.

Cara dançarinadesenhista,
não sofra pelos bifes. Permita que eu cuide deles.

Esse, como poucos textos antes, tenta não vilanizar qualquer parte de mim (dica: é difícil), tenta atingir uma harmonia maior, e, principalmente, é um dos textos mais sérios que eu já escrevi: pois eu tenho completa responsabilidade por ele. Esse texto é o meu bife. Não pretendo me envenenar.

Voltando ao controle… Eu diziada oposição   apartente   entre o meu “sou cientista” e o recém-descoberto “sou artista”. E então eu disse que este texto é o início de um processo “façamos as pazes”. E agora eu queria chamar a atenção pro início do texto. Ele começa confiante, uma boa introdução, que não sabia que o texto se estenderia tanto, e parece seguro afirmar que o “quê” do texto já estava definido: na verdade, parece que eu estava preparando terreno para confessá-lo.

Falei da garota desastrada, falei da minha facilidade com pequenas organizações (bifes são fáceis e expontâneos; quartos, não). Depois introduzi sorrateiro a questão da profissão, e aí tudo desmoronou no meio da melhor parte da explicação.

O que eu preciso confessar é que eu não sou escritor. Mas preciso confessar, não simplesmente atirar, como se faz com uma “verdade” fria. Ou talvez eu deva dizer: sou um escritor irresponsável. Essa é uma confissão melhor, soa mais como uma confissão. E a minha escolha – sim, a profissão, o vestibular – é uma escola responsável - “consciente'”, como eu costumava falar. Eu sou bom com responsabilidades. Desse tipo, pelo menos: as conscientizações. E é isso que eu preciso fazer; qual vestibular vai me permitir mais consciência? E esse termo é necessariamente vago.

10 de fevereiro de 2010

Esse é de ontem

Eu queria que me conhecessem assim, agora. Click: congela. Não sou bom em pintura realista com modelo. Não sou bom em narrar o que eu vejo, em pintar o que está à minha frente. Portanto, mesmo que eu pudesse fotografar esse momento, eu não poderia, mesmo em cem anos, pô-lo em palavras. Mas também, é claro, se eu pudesse ter tal fotografia, eu não sei se restaria muito motivo para escrever.

Eu prefiro, em vez de fotografias impossíveis, me fundir à obra e escrever o resultado (e também o processo). Por isso, eu tenho um pouquinho de mim fundido em cada escrita minha. Mas se eu tenho vontade de escrever sobre mim - ignorando o aparente egocentrismo -, eu me perco. Deveria eu fundir-me a mim mesmo, entregar-me completamente à mercê de mim? Mas isso é assustador.

E aí eu prefiro sempre, (repara!), entrar em alguma discussão menos poderosa, como "qual o motivo de eu estar escrevendo?" (nessa pergunta, fica bem clara a desconfiança e a resistência em aceitar-me)

O motivo de eu estar escrevendo agora, é pessoal: quero reler depois e entrar em contato com essa parte de mim que tanto me apraz. Também tenho, na minha não-pequena vaidade, uma esperança e um desejo, ao revelar-me tão sedutoramente: quero ser apreciado, degustado, decifrado - ou, no mínimo, visto, conhecido. Tenho o fetiche de ser melhor conhecido por outro, do que por mim. 

Essas discussões não são singelas, mas tampouco são relevantes. Eu estava no alto de meu décimo-quinto antar e eu escrevia um poema de amor. Era algo assim:

da alegria de um momento que não faz sentido,
resta algo sentido
da tempestade que ameaça cair à minha frente,
resta a ameaça
Dos trovões, que lembram Beethoven,
não resta nem a música nem as nuvens:
resta o medo. E a delícia de senti-lo.
De repente, quando tudo isso se junta
[num ferver da barriga,
sinto a alegria, a tempestade, a delícia.
Fecho os olhos, ouvindo os silêncios que cadenciam os barulhos,
transformando-os em música.
E nessa hora, talvez, reste Beethoven, mas só um pouquinho
Nessa hora, o que resta é o sono.
E a certeza de que, embora nada faça sentido,
tudo que ha             é sentido.
E de repente eu sinto tudo e caio minha cabeça no travesseiro,
pois sei que durmo bem, e feliz, pois amanhã, tenho um encontro contigo,
e mal posso esperar.
É esse o sonho, feito de alegria, tempestades e beethoven, que eu quero escrever.
E esse é o sonho que eu faço poesia.
E aí eu digo, uma "última" vez:
boa noite, meu amor. Dorme bem, que eu acordo melhor.