22 de setembro de 2009

Contemplativa

Sabe?, a tristeza tem sim um quê de beleza. Ou talvez a beleza tenha um quê de triste. EIs uma questão que me foi posta antes, e que permanece.

A beleza talvez seja um estado contemplativo: nós somos sujeitos passivos da beleza, a ação dela é sentida por nós. Afinal, mesmo a beleza mais ativa, que é a própria - quando Eu sou bonito - , só é a partir do momento em que há um sujeito passivo, que a percebe. (Mesmo que o sujeito ativo e passivo sejam os mesmos: aí então sou bonito a Mim mesmo.)

Só se é belo potencialmente, pois apenas na presença de um outro, a beleza passa a existir, a ser bela.

E o que tem a tristeza a ver com a beleza, com sua contemplação? Também é a tristeza um momento, um estado, de contemplação? É preciso haver um sujeito passivo da tristeza para que ela exista?

Pouco sei. Sei que às vezes, como agora, sou triste de uma forma contemplativa. Fico percebendo a minha tristeza, brincando com ela, mexendo com sua vergonha - como se o faz àquele amigo nosso que não consegue dançar ou ir falar com aquela garota que tanto se percebe que ele deseja.

E aí, creio, que tristeza e beleza se confundem para nós, sujeitos passivos de ambas; uma e outra são contempladas, presenciamo-as, sentimo-as. E no entando nada fazemos – nada efetivamente podemos ou queremos fazer – com elas, que nos invadem, nos transgridem, nos fazem transgredir: para fora de nós, para além-nós. Ou simplesmente para “lá”, num lugar que é um pouco mais belo-triste.

Lógico que, infinitamente arrongantes quanto a nós mesmos, não suportamos ser passivos – não nos aguentamos, reles inconformados, nós! – e tentamos transgredir nossa própria transgressão de nós mesmos: transgredimos ad infinitum. Contemplamos a contemplação, ficamos tristes pela tristeza, e somos belos pela beleza.

Como agora. ! Em que contemplo a minha contemplação, fico triste pela beleza, belo por estar triste, escritor sobre o escrever, vivo para ser vivido, sou artista para poder ser arte. Viro sujeito ativo para poder validar a minha condição de sujeito passivo. E enfrento o infinitum.

E assim coloco as duas, tanto a beleza quanto a tristeza, num container infinito, mais ou menos como se eu colocasse o mar num observatório visível apenas do “subterrâneo”, sendo que a terra nada mais é do que a fronteira que nossa arrogância insiste em tentar transgredir.

E aqui, embaixo da terra, nesse texto-arte subterrâneo, eu passeio pelo infinito mar de tristeza e beleza, meio perdido meio alegre nessa caminhada contemplativa pelos oceanos e lagos que, enfim enfim, compõem esse eu-que-escreve, esse meu momento, estado em que me encontro: Esse eu triste.

10 de setembro de 2009

Amizade Sincera

Às vezes o meu quarto não é grande o suficiente e eu vou lá pra fora.

Então, percebo que também ‘lá fora’ é pequeno.

E vejo, num misto de susto e surpresa, que não é o meu quarto ou o meu jardim, ou o meu ‘lá fora’ que não me bastam; mas eu, que deixei de ser suficiente a mim mesmo.

Aí escrevo.

4 de setembro de 2009

(Rascunho) Friedrich (I) – A Angústia

Friedrich não conseguiu dormir.

Não era a primeira vez que via seu espírito se encher de culpa, mas sentia, de alguma forma, que agora era diferente. Jogar cartas com os seus companheiros, pelos quais simpatia era a última coisa que sentia, de nada adiantaria pra acalmar-lhe os nervos: recusou.

Seus mestres, amigos, pais; todos ecoavam na sua mente, seus ensinamentos e palavras a tentar conter a onda de angústias infinitas a qual era imposta sua mente. Divinos dogmas e certezas infundamentadas lhe eram evocadas numa vã tentativa de coforto. 'Inútil'.

Brigava consigo mesmo, sentia-se à beira da insanidade. Vivia o desconforto supremo - o humano - e a triste, enorme, tragédia que era o existir.

Por um breve momento, se lembrou de Shakespeare. Naquele momento, tudo que queria era não ser. Morrer, pensou, é melhor que este fardo de ser.

Fechou os olhos.

Reabriu logo em seguida.

As imagens revividas no seu inconsciente - ou seria consciente? - eram-lhe tão bizarras, tão indignas, tão cruéis. Sentiu-se enojado.

Levantou, passando pelas camas companheiras, observando todas as cúmplices e testemunhas do crime - 'nossa, pensou, que palavra anacrônica!' -, seu crime. Sabia que não podia contar com nenhum deles. Provavelmente, para eles, seu único crime seria essa onda de pensamentos "hereges" e "anti-morais" que ele agora cultivava; chamariam-no de “Cristãozinho”, apelido odiado que carregava escondido desde aquele incidente na Juventude...

Nas sujas e asquerozas instalações higiênicas da tenda, jogou alguns mililitros de água no seu rosto, numa misteriosa inocência, ao pensar por um centésimo de segundo que poderia se purificar. ‘A pureza, pensou, não cabe nesse mundo, nessa nação, nesse ano; melhor - a pureza não pertence ao ser homem.’

Voltou no tempo uns poucos séculos ideológicos e se machucou, com a lâmina de barbear mesmo. Punia-se. Mas sabia que era inútil, além de desnecessário. Tinha O traído, pensou, mas por que, ou como, poderia um auto-sacrífico servir-Lhe?

Não. Isso constituiria um erro. E sabia que nem uma lâmina, nem um chicote, nem a própria morte poderia curar sua angústia. Ou, novamente num retrocesso anacrônico, lhe purificar a alma.

'Precisava sair dali.' Temeu tê-lo dito em voz alta.

Tomou uma decisão - um lapso de consciência, finalmente! - e por um momento duvidou. Era impossível. E, muito mais que impossível, estava sozinho. E, mais que sozinho, estava vivo, o que, em primeira e última análise, significa que morreria.

‘Morto, não era nada.’

‘Morto, seria como o garoto.'

‘NÃO!’- gritou para consigo mesmo - ‘Era dez, cem vezes, um mlilhão, trilhão, infintas vezes pior do que o garoto. Seria capaz de qualquer coisa para dar a sua vida no lugar da dele.’

E adormeceu, entorpecido em pensamentos.

(Outubro 2008)