19 de maio de 2009

Escrita-Catarse



Tendo liberado-me da angústia, posso enfim trazê-la de volta. Encontro tanto mais dor que prazer, e isso mata. Tantas mais responsabilidades que gratificações. Tantos mais desencontros que paixões. Oscilo entre a insustentável leveza do ser e o peso mudo das palavras.

Não reclamo com o acaso, convivo com ele, e quase parece que o entendo. Tampouco queixo-me a Deus; há tão pouco tempo O conheço que não sinto sequer o poder de dele reivindicar qualquer coisa. Não me queixo de mim mesmo, pois, destituído do romântico sofrer, vejo-me inerte e irresponsável, insustentavelmente leve.
Queixo-me da própria realidade trágica das coisas, não por pessimismo, mas por falta de alvo melhor. Critico a impureza humana e a maldade. E vejo, com dó, que mesmo em mim encontro podridão (relutante em aderir às garras da hipocrisia, eu me critico).

É-se podre, e nem mesmo em mim encontro escudo à podridão. Somente no outro.

Entendo o auto-engano, mas e quanto à auto-perda? Que é eu, se eu não é diferente do resto? Quem é eu? E por que é tão difícil ter sequer bases pra essa pergunta?

O Fantasma é mártir por ser do único jeito que sabe - portanto natural e, a princípio, puro - e, no entanto, é taxado de nojento e criminoso. A inveja me corrompe assim como o faz o desejo sexual. Meras distrações, diversões, da dificuldade infinita de se ser o que se é. Peço ajuda, peço mãos, peço - agora sim - Deus.

Pois a mim mesmo nada posso exigir, se a pergunta em questão é exatamente quem é o eu - o mim mesmo. Dai-me forças. Dai-me identidade, dai-me algo no qual se agarrar enquanto essa fina e fraca pele a que se chama eu não se me configura clara.
Que minha arte forme o pouco que eu sou, pois nela encontro uma auto-imagem, o que significa que o auto- existe, e, portanto, eu, também, existo, pois só o eu tem um auto-.

Eu quero me auto-ser, e ser um auto-eu. Será possível? É esse o meu ideal estético kitsch? O meu platonismo condensado em sonho? Pera, eu tenho um sonho. E isso pressupõe um sujeito, um eu. Eu existo, pois tenho um eu e tenho sonhos. Se nada tenho, tenho no mínimo a consciência de nada ter e, mais!, também a vontade - e o sonho - de finalmente ter. De ser.

Eu sou a própria vontade de ser, no mínimo. Eu nasci por uma profunda necessidade de ser. E exerço aqui tal necessidade, em forma pura, em forma de desejo, de vontade. Eu sou, não o que eu quero ser, mas o querer ser em si. Eu sou o querer.

Schopenhauer, Nietzsche, Milan Kundera, Clarice, Sartre, o Fanstasma. Eu sou, pelo menos um pouco, a minha arte e o diálogo com toda arte que me antecedeu. Eu sou, no mínimo, Deus e a unidade universal. E aí eis que me perco, pois não mais me diferencio do todo, não mais caracterizo-me como eu, com um auto-. Mas agora me perco com a consciência de estar me perdendo, de ser, no mínimo, algo passível de se perder e, portanto, que se cogita encontrar.

Sou no mínimo algo que se perde com a vontade de se reencontrar.

18 de maio de 2009

Outono

Finalmente dei uma trégua à angústia, à raivosa tristeza de viver.
O sentimento, em si, permanece - quero que nunca morra! -, mas permito-me, pelo menos nesse exato momento em que escrevo, uma calma para pensar e admirar.

Pensar e admirar com calma é um dos maiores pequenos prazeres que existem.
E, pensando e admirando-me agora, por que é que chamamo-os de pequenos?

Se são, não só os maiores, mas - muito provavelmente - também os únicos.




Um brinde à chuva de outono - nem me recordava que estávamos no outono! -; um brinde aos sopros de vento (que pra mim constantemente parecem um sopro divino, empurrando-nos pra frente, com aquele friozinho que nos congela, mas que também nos renova); às nuances de pensamentos daqueles que têm o dom, e a maravilha, de conseguir pensar de uma maneira não-reta, não-geométrica; um brinde às pequenas - e às grandes! - palavras que nada fazem, a não ser se juntar (tais quais os átomos formam, numa ingenuidade só deles, toda a matéria que nos cerca, formam a vida humana as letras...); um brinde às universidades, aos trabalhos, às contas; às coisas adultas; à imaginação. À vida.

Pois eis que ela, eles, ele, Ele, nós, ou Eu - esse troço para o qual eu não tenho outro nome senão o artístico "Deus" - é, em sua imperfeição, perfeito.
Um brinde, então, às imperfeições, sem as quais nada seria perfeito.
Ao sorriso, e ao frio. Às carências, e ao amor.

Ao acaso, que é exatamente a mesma coisa que o destino.
Ao infinito, e ao belo.

Às reticências, e ao fim.

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6 de maio de 2009

O ideal estético Kitsch, de Milan Kundera




Retirado de "A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera.
Sexta Parte: A Grande Marcha, 5:

"O debate entre os que afirmam que o universo foi criado por Deus e aqueles que pensam que o universo apareceu por si mesmo implica coisas que vão além de nossa compreensão e experiência. Muito mais real é a diferença entre aqueles que contestam a existência tal como foi dada ao homem (pouco importa como e por quem) e aqueles que aderem a ela sem reservas.

Por detrás de todas as crenças européias, sejam religiosas ou políticas, está o primeiro capítulo do Gênese, a ensinar que o mundo foi criado como devia ser, que o ser humano é bom e que, portanto, deve procriar. Chamemos essa crença fundamental de acordo categórico com o ser.

Se, ainda recentemente, a palavra merda era substituída nos livros por reticências, isso não se devia a razões morais. Afinal de contas, não se pode considerar que a merda seja imoral! A objeção à merda é de ordem metafísica. Defecar é dar uma prova cotidiana do caráter inaceitável da Criação. Das duas uma: ou a merda é aceitável (e, nesse caso, não precisamos nos trancar no banheiro), ou Deus nos criou de maneira inadmissível.

Segue-se que o acordo categórico com o ser tem por ideal um mundo no qual a merda é negada e no qual cada um de nós se comporta como se ela não existisse. Esse ideal estético se chama kitsch.

Esta é uma palavra alemã que apareceu em meados do sentimental século XIX e que, em seguida, se espalhou por todas as línguas. O uso repetido da palavra dez com que se apagasse seu sentido metafísico original: em essência, o kitsch é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal, quanto no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo que a existência humana tem de essencialmente inaceitável."

8:

"A fraternidade entre todos os homens não poderá nunca ter outra base senão o kitsch."

9:

"O kitsch é o ideal estético de todos os homens políticos, de todos os partidos e movimentos políticos. (...)

12:

"Nenhum de nós é sobre-humano a ponto de poder escapar completamente ao kitsch. Por maior que seja nosso desprezo por ele, o kitsch faz parte da condição humana."

29:

(fala-se sobre inscrições em tumbas, e o que resta após a morte)
"Antes de sermos esquecidos, seremos transformados em kitsch. O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento."

2 de maio de 2009

Peut-être je ne sais pas comment vivre sans peine.

Mais, je suis sûre, je n'ai jamais été plus joyeux.

Ma félicité est seulement différent, c'est ça.

Je vais hurler une fois plus.

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Edit: Je n'ai pas aimé cette post. Trop dépressif.
Dans quelque jour, j'écris un chose plus à moi.