14 de abril de 2011

Pequena sabedoria moral

Encontrar relações é talvez o que há de mais honroso, digno e até importante para o investigador do que quer que seja. Procurá-las, no entanto, costuma constituir um erro.

6 de abril de 2011

Por que não sou, como tu, cartesiano

ou
Por que não me aflige ter por meu isso a que chamas preconceito

 

Tu me dizes:

“Ouve-me, pois ao te recusares a ouvir estás sabidamente sendo intolerante e preconceituoso: tens de me ouvir para saberes o que quero dizer e como raciocino para, só então, poderes tu pensar a respeito e finalmente falar o que pensas”

Digo-te que Não, não preciso ouvir-te para saber o que te passa na mente, não preciso ouvir-te para saber o que penso acerca do que pensas.

Isso porque não partilho da tua crença nos raciocínios, nessa arte abstrata de ouvir-pensar-falar a que chamas “debate”, como se houvesse uma dimensão separada de pensamento – um pensamento à parte - que respeitasse ordens, fizesse fila indiana para rebater um a um “argumentos”, também eles “logicamente” expostos --  como se os pensamentos fossem lógicos! Como se os pensamentos algo respeitassem! Como se os pensamentos pudessem ser, por um momento, apenas racionais.

O que existe, nesse teu falar, é exatamente esse imperativo ordeiro, organizador, enrijidecedor, essa tua vontade de petrificar as minhas palavras, como se elas tivessem um sentido além delas próprias, como se elas significassem algo mais do que uma instantânea, imperfeita, insuficiente tentativa de comunicar algo bem maior, e ao mesmo tempo menor, que se passa em mim e que só por um acaso histórico da nossa espécie é que eu comunico usando esses sons ou essas sílabas, conjunto de símbolos, de signos, que só por um acaso não são em alemão, ou feitos como estalos da língua, ou a partir dos membros inferiores do meu corpo, só por um acaso  é que eu falo contigo usando ar modulado no meu pescoço e representações de sons sob a forma de conjuntos de 27 símbolos e mais alguns outros. Não há nada de eterno ou correto ou verdadeiro nesse falar, nessa forma de comunicação, não há nada que a torne mais correta ou mais eficaz do que murros em pedras, ou olhares flamejantes.

O que eu te digo é que pensas que, dentro desse sistema de comunicação, inventado como todos os outros, podes criar um outro sistema, de “encadeamento lógico”, quer dizer, de correspondência de conceitos (símbolos) a mecanismos, como se esse seu sistema inventado de linguagem pudesse ser submetido às mesmas leis e regras que regem o caimento de uma pedra, ou a movimentação da luz, e eu te digo que isso é falho. Digo-te que o que passa em tua cabeça, por mais que momentaneamente tome a forma de símbolos, por mais que penses poder compreender-lhe a essência e o significado, isso que passa em tua mente não é senão um amontoado de fluxos desordenados e simultâneos que não servem a outro propósito senão o de regular o teu próprio corpo, se é que a isso servem.

O que quero te dizer é que não existe algo que está além desse mundo, que tu não és um ser que pensa como se estivesses apartado do mundo, dele distanciado; tu és um ser, um corpo, um corpo que pensa, um corpo que sente, um corpo que age. E é besteira tua achar que tu podes parar de ser corpo por um tempo e passar, por alguns minutos, horas, ou anos, a raciocinar, a pensar, a pensar isso e não aquilo, a pensar e não sentir…. essas distinções sequer existem! Ao mesmo tempo que se pensa, se sente; a mesma “coisa” que sente, pensa. E, NÃO, eu não vou esperar-te falar essas merdas todas para só então eu me colocar à frente e enunciar, “lógica e ordenadamente”, aquilo que pensei “cuidadosamente” a respeito de tua fala. Como se tua fala pudesse ser separada do restante do teu corpo! Como se exitissem palavras sem voz, conteúdo sem forma, mente sem corpo!

Se, quando falas, percebo em ti um ódio mais profundo do que talvez tu mesma sejas capaz de perceber, se percebo-te o desprezo por certas coisas, ou os teus dentes a tentar amedrontar-me, eu respondo! E respondo imediatamente! Também eu hei de me comunicar dentro dos limites do meu próprio corpo, também eu lançarei-te olhares fulminantes e comunicativos, também eu sentirei amargura e acidez no paladar, também eu cuspirei palavras quando assim elas forem melhor apresentadas, quando assim elas melhor significarem aquilo que penso-sinto-raciocino-acho-acredito-percebo-encontro-sou, ou quando assim elas quiserem sair de mim – afinal que sou eu senão produto da comunicação do meu corpo, muito mais do que dela causa ou mestre?

Porque a língua não é para mim maior autoridade do que os olhares ou a rigidez dos músculos, é que eu desrespeito a tua forma de comunicação. É porque não vejo, nas palavras, grandes coisas ou, pelo menos, não maiores do que em qualquer outra coisa desse mundo. E nem penses em chamar-me preconceituoso, em atribuir meu pensamento a uma teoria tal ou tal; é assim que o mundo se me afigura, esses pensamentos floresceram em mim e em mim encontraram um empresário, um intérprete, um cultivador. É assim que eu penso, é isso que eu acho, de tal modo eu sinto, tal eu sou. E isso não me torna preconceituoso a todas as outras formas de pensar, isso não me lhes torna avesso ou contrário, isso só me torna eu.

E o que eu te convido, minha irmã, é a pensar o que te torna tu. A pensar: por que raios penso assim? por que meu pensamento se configura desta forma e não daquela outra? por que um debate ordenado e regrado funciona melhor, ou tem mais mérito, que uma troca de socos, ou uma briga de bar, ou uma mordida de um cachorro?

E eu te pergunto, especificamente a ti pergunto, de onde vem essa tua “calma”, esse teu “ponderar”, esse teu “cuidado”, essa tua “sensibilidade”, essa tua “suavidade”? De onde vem o teu amor pelas palavras? Por que te encontras às voltas com mais livros do que pessoas? Por que escolheste o caminho das ciências e dos conhecimentos? Por que a filosofia? Por que essa filosofia?

Eu digo. EU DIGO. Tu foste para esses lados mais calmos e serenos da existência, às mais contemplativas vias de ser numa cidade grande; caminhaste em marcha reta e constante, desde a infância até hoje e amanhã, em direção à Filosofia, ao Grande Pensar, porque tu tinhas medo. Tu passaste a ler livros, não porque eles de fato te seduziam e te eram o mais extraordinário dos passatempos. Não. Se pudesses, terias ido brincar com tuas amigas e teus amigos – de que tinhas, ó!, tanto medo –, se pudeses, terias ido atrás delas quando elas se perderam naquele pique-esconde, naquela mesa do bar. Se pudesses, terias brincado de boneca e jogado bola; se pudesses, nunca terias recusado aquelas vibrações, aquelas pitadas na barriga, os suspenses de não saber o que vai acontecer, as palpitações indevidas do coração, a emoção da aventura, escalar aquele morro proibido, meter-lhe a mão na cueca, encostar os lábios nos dela,  mas não podias. Foi-te “negada” a companhia de teus semelhantes, não lhe eras “adequada”. Não te encontravas em suas brincadeiras, não concebias como fazer delas parte. Não conseguias extrair prazer da convivência com seres humanos. E te ías fechando, em ti, com teus livros, fiéis e inofensivos escudeiros, envaidecedores; eras estimulada por alguns adultos, que estranho! tua fuga parecer-lhes tão alta, tão estimável. Tu foste graditavamente te isolando do resto dos companheiros, colegas; não os tinhas, não os querias por perto, não os desejavas e criaste o mito de que eles também tampouco te desejavam, e muitos outros mitos. Criaste, por exemplo, o mito de que haviam sido eles a te afastar, e não o contrário! Acreditaste no mito contado de que os livros oferecer-te-iam uma existência superior e mais digna, que nas palavras se encontravam verdades e no mundo “normal”, dos “outros”, nada haveria de proveito. Por isso hoje tu pensas que o teu jeito de discutir é superior e deve ser seguido, por isso tu acreditas tão cegamente na linguagem das palavras. Porque elas são teu abrigo, teu refúgio. Foste à filosofia por covardia, foste à filosofia porque não achaste outro lugar que te acolhesse. Mas tu não podes fugir tanto, não podes fugir do próprio corpo, não podes fugir do fato de que és corpo! Não podes fugir do fato de que foram ciúme, inveja, muita inveja, que te levaram à filosofia, e não amor e vontade, e não vocação e destino. Tu não eras destinada à filosofia. Tu eras dela carente, aproximavas-te dela como um mendigo o faz a um transeunte. Tuas carências, invejas, ciúmes, tudo que não viveste na infância, adoelscência e que continuas a não viver agora que és adulta, continuam em ti; pior, são teus alicerces, as bases do teu pensar, do teu viver. Mais tarde vens e me perguntas “E por que é que só me apaixono por garotos medíocres e sociais, nunca do tipo científico ou pensador? Por que é que me apaixono por aqueles a que mais odeio?” Oras, pois, é a estes garotos baixos que tu queres – é a eles que sempre quiseste! Larga dessa tua arrogância de achares que és nobre, que sempre pertenceste às artes e às ciências! Tu não é nobre porra nenhuma. Tu és um bando de sentimentos podres mal resolvidos, que te habitam a cabeça, causando-lhe enxaquecas. Tu és um câncer em formação, uma maçã envenenada, uma maria-ninguém, uma filósofa de merda, porque covarde.

Mas pelo menos agora não estás sozinha.

Sem amigas, sem companheiros, mas cheia de olhares invejosos, congratulações de autoridades do saber, um cheque gordo das tuas pacientes.

Espero que algum dia escolhas viver.

5 de abril de 2011

Estilo "rasgante"?

Azar o teu seres rasgável.