8 de novembro de 2010

26 de outubro de 2010

Os dezoito anos

Como se faz política?
Como se lê Nietzsche?
O que é a saúde?
Qual a diferença entre prazer e alegria?
O que se entende por sonho?
Como sentir o que se pensa?
Como se faz amor?
O que é a amizade, e como se a recupera?
Estar só é ruim.
Música eletrônica é bom, mas nem tanto.
Dançar é bonito, e ainda é o centro do universo, mas há mais de um jeito de dançar. Transando, por exemplo. Chorando, por exemplo.
O que significa responder, reagir, receber?
Existir significa respirar e mais um tanto de coisas.
Dormir, chorar, jogar videogame.
O que é a escola? É o que restou da minha alma. O que se me tornou sonho.
O que o faz apaixonado? - É o que eu sinto: são esses bandos de sóis que insistem em brilhar, para além de bens e males, com a intensidade que se estampa em meus olhos.
O que o faz triste? É isso, tudo isso-aquilo que me tiraram.
Como resistir? Juntando-se. Em tempos, em espaço, em olhares, em linhas, em beijos.
E crescer? Crescer é difícil, sempre. Se não é difícil, não é crescimento.
Difícil!, disse eu, não penoso.
E os textos, a sua literatura? –Pra que serve?
É. –Bem, pra nada.
Pra nada? –É, pra nada.
Mas algum dia vai servir? –Sim, quando eu conseguir fazê-la pra outros, quando eu consigo fazê-la pra outros. Aí, sim.
Os outros? – É.
Cansaço. Muito cansaço nessa vida.
Mas, ainda assim, ainda assim… Ainda assim. Eu, vivo.
Mãe, vai ter outro ano de 1999?
Não? Mas… isso significa que essas alegrias, felicidades, essa minha risada e a piada do Luiz Gustavao – eu nunca vou tê-las de novo? Nunca hei de sentí-las novamente? É isso que significa ressentir? Tentar sentir de novo e, fatalmente, não conseguir?
Pai, por que você precisa continuar fazendo obra? Chega! Eu quero jogar bola contigo. Investimento? Mas eu não quero ir pra Noruega! Mamãe? Você faz isso por ela? Mas não parece… Desculpa. Não te peço mais.
O que? Mas, mas… Não, eu não sei se vi nada de diferente nela, não, pai. Ahn? Como assim ‘mais feliz"’? Por favor! Mas, pai! Dói muito! Não quero.
O que? Se tá tudo bem? Sim, claro, nada de mais. E você? Pois é, tenho ouvido outros tipos de música agora. Pink Floyd e tal. Videogames? Claro.
A escola sempre foi muito fácil, mas tá tudo bem, sim. Meio chato, mas acho que sempre é, né?
Que me desafiam socialmente? Como assim?
Ah, é legal ouvir, assim, que não é algo inato.
Volta pra mim?
Lembra quando a gente não prestou atenção na aula de história, porque tava discutindo Capitalismo e Socialismo?
Lembra quando você me batia com a lancheira?
Lembra quando a gente jogava bola? Você era rápido, você driblava, você fominha, mas era muito bom.
Lembra de antes, quando a gente era menor, e que a escola era de fato Nossa?
Lembra de Cabo Frio? De quando choramos todos juntos? De quando dormímos juntos? De quando acordamos junto do sol, à praia?
Lembra quando eu bebi pela primeira vez? Lembra…. das coisas ruins? Lembra de tudo o que eu disse? Eu me arrpenedo, sim. Só não sei se acredito nisso de arrependimento.
Ah, eu te amei.
Não, nunca aconteceu! Responsabilidade?
O que é a responsabilidade? Por o que sou responsável?
Pelo mundo?
A música! O violão! As notas! Clarice!
Olha eu cantando! Eu canto chorando, como se cada linha fosse uma lágrima, a ser expulsa, a ser sentida, algo que não cabe nem pode caber em mim.
Queria que você tivesse me cantado.
Ei, você acha que eu posso ser seu amigo? Eu não sou muito bom nessas coisas.
É assim que é. Não.
Dezoito anos? Mais parecem dezoito eternidades.

Talvez sejam. Talvez sejam.

23 de agosto de 2010

Abrir os olhos

O amor começa por uma metáfora,

 

mas, embora chovesse, não voltava o amor à casa. A chuva, que  antes causava vibrações ao simples estalo dos primeiros pingos, não é senão um compasso fora de ritmo agora, que tenta contar os tempos de um coração cuja bateria não permite mais a regência do corpo – um maestro com mãos desobedientes e uma vontade de sucumbir quase irrefreável.

Chovia e podia, assim, ver no cheiro de terra molhada como que a essência de um amor que já morrera. Via-o diluído em atmosfera, fumaça de vida no balançar das árvores, neblina perdida nos sopés de montanhas… Sempre as metáforas.

É por elas que seu amor, agora ex, havia se delineado, num encontro de quatro ouvidos que ouviam, no bater do mar, não as ondas quebrando, as espumas se formando, a areia se molhando – mas uma sincronia com o infinito, um êxtase sonolento, uma necessidade de se beijar.

Creio que não percebiam, à época, que quando se diziam ‘eternos’ (e, ó, com que freqüência o faziam!) não falavam de si, tampouco do seu amor. Falavam é das metáforas que haviam criado, estas sim, eternas peças de um universo bem maior que eles dois…

Mas nada disso lhe passava à cabeça. Naquele dia, era insensível às metáforas - uma tentativa de se tornar insensível ao amor que elas causam. Por isso, quando um pingo lhe caiu no ombro, ele não só fez questão de puxar um guarda-chuva, como também murmurou palavrões direcionados ao céu.

Talvez, se ele enxergasse como eu, teria visto que não demoraria muito para que o próprio corpo projetasse em si as metáforas que ele agora evitava: não demoraria muito e ele veria no rosto chover o mar salgado que os beijara anos antes.

Na semana passada, quando você me chamou para conversar, eu fiquei assustado. Achei que ia ser ruim, julgava-me incapaz de reviver aquelas vibrações. Mas não. O que aconteceu foi que eu pude reconciliar a paz com as antes-nossas metáforas. E o amor que eu tinha por você, que tenho e que sempre terei, continua ali eternizado no universo – afinal, ele voltou para casa.

12 de julho de 2010

da existência do Eu-lírico

Mas será que você não percebe? Será que eu não me fiz não-claro o suficiente? Eu não sou claro. Não pretendo ser, não quero ser. Não preciso ser. Você não precisa que eu seja.

Eu não digo os meus textos, as minhas palavras, os meus personagens. Eu digo através dos meus textos, através das minhas palavras, através dos meus personagens. Será que você não percebe, na transparência das minhas palavras? Não, você não percebe. Você pouco se importa com a transparência. Pra você, transparência é falta de opacidade, é falta, é falha. Pois a transparência é o que eu mais quero, o meu melhor recurso, o mais divertido deles. Eu não digo as coisas querendo dizê-las, digo-as querendo, ou digo-as dizendo-as, assim meio sem querer querendo.

Meus textos, irresponsáveis, não são mais do que um espaçoso salão, onde eu danço, canto, pulo, atuo, jogo futebol, faço amor, conto piadas, brinco de ser eu. Não é erro meu brincar de ser eu. Não significa que eu não sou eu seriamente, que eu não queira ser. Tanto é que só brinco quando me sobra tempo, vontade, fôlego – a maior parte do tempo me ocupo tentando ser eu a sério.

É por isso que é escroto – e eu bem deveria ter previsto – você não me ler, só porque eu, Friedrich, me filiei ao partido Nazista. Ou porque eu, Lobo, mostrei-lhe meus dentes afiados e minha pata sangrando. Não, não não. Nunca são eles que lhe dizem, mas você que os interpreta! Tanto é que eu poderia argumentar, livremente, em poesia, o quanto as minhas próprias poesias foram mal-lidas – consideradas bonitas quando eu estava feio, e feias quando eu estava todo bonito. Mas por que argumentar isso? Não quero argumentar isso, porque brincar de ser é assim. Não entender, “mal-interpretar” faz parte, é quase a essência da brincadeira. Um passe errado, no treino, é sinônimo de risada do companheiro de time, não de represália. Quando eu, Romântico, quis amar e não pude, eu brinquei: como num sonho em que eu posso voar, eu escrevia sobre o amor com a capa da tristeza. Eu amava, e era feliz, através dessa tristeza brincada. Por isso esses textos tristes me são tão preciosos mais tarde, quando olho-me de volta com ares de espetáculo, Eu, espectador do mundo – tudo tão emocionante, divertido, bonito. Eu, o Adulto do devir, pretendo não existir completamente, nunca, mas sempre ao lado desses meus companheiros, leais escudeiros, minhas tempestades, nuvens, musgos, algodões, livros, copos, textos, palavras. Chegarei ao inferno quando estiver procurando o significado real das palavras, ou me pautando por eles, não por elas.

E então, quando eu a convido a subir no meu palco, a brincar comigo, você se torna bruxa, pega sua vassoura, e joga pó de lagartixa e patas de dragão em todo o meu cenário, deixa todos os meus figurinos com cheiro de mofo – e ainda pensa estar assim, me batendo toda vez que acendo uma lâmpada, me fazendo um favor!

(E está mesmo)

O que eu escrevo está sempre sendo, se processando, correndo; nunca é. Você transforma tudo em é, é, é. Eu sei, eu sei, é claro que eu sei que mil vezes antes um texto esteticamente feio que um ideologicamente burro, eu aprendi isso, eu aprendi isso, mas eu, mas eu, mas eu sou Criança, ainda não entendo disso de ideologia, você precisa me ajudar, e não procurar o que tá errado. Mesmo que isso seja ajudar. Falta um monte de coisas no meu texto, falta nexo, falta inteligência, falta propósito, falta meta, falta tanto, mas se eu fosse fazer uma lista das coisas que faltam, só a minha imaginação imporia limites. Eu não quero descobrir o que falta, porque sempre falta infinito, quero brincar com o que tem, com o que está tendo, sendo, querendo. Criança assim.

Mas sabe, de tudo que eu tenho a reclamar de você – ignorando os 80% de projeção – o mais importante, o que eu mais quero dizer é a feiúra. Não ter um Eu-lírico é tão bonito, é tão real, eu fico aqui olhando pra carne viva estampada em toda você, e vejo seu sangue circulando e o jeito como você conduz sua respiração e entorta a coluna e os lábios pra falar -  você toda jeitosa com seu jeito de tentar não ter jeito. Mas é feio, quando você fica assim, me lendo aos avessos, se cansando de si, procurando todas as feiúras que nós temos em comum, em vez de deitar à sombra das nossas semelhanças – pelo menos quando eu lhe peço deitar, quando eu aqui cansado, fatigado, pedindo colo e carinho. Será mesmo que você vai me castigar nesses exatos momentos estendendo-me sua cama mais dura? Como você consegue? Como você consegue você mesma deitar em sua cama mais dura? Eu a invejo, se isso for verdade. Mas eu não quero ser você, porque você parece que perdeu a vontade e a chance de ser bonita. Eu, Pai de duas, tive vontade de ter mais uma toda linda filha que nem minhas duas outras só para compensar você. Ai eu, Lobo, dei um patada, e arranhei as minhas filhas, que estavam sendo paparicadas e infantilizadas, que eu tava sendo muito criança. Ah, não. Foi isso que lhe aconteceu? Veio-lhe um lobo?

Ah não. Ah, não. Me lê, me erra, mas não. Não, não, não.

1 de julho de 2010

O ‘tornar irresponsável’ (de que não gostei) + Introdução metalingüística + O ‘tornar irresponsável’ (versão 1,5)

Ontem à noite, assisti a um show de violões no municipal. Um trio. Numa música, que creio ter sido Olha Maria, eu me entreguei completamente, e consegui ir lá pra dentro de mim, num dos lugares mais bonitos que existem – provavelmente um cômodo da minha alma. Lá, comecei a escrever um texto bonito, desses que dão orgulho. Um orgulho semehlante àquele que senti depois de assistir Cinema Paradiso, por exemplo, ou aO Fantasma da Ópera, ou quando li Através do Espelho (de Gaarder),  algo a que eu só consigo me referir como Capacidade de Sentir – uma sensibilidade - o que é no mínimo paradoxal, senão simplesmente risível, quando o contexto é outro que não Arte. Porque não há motivo maior para o meu fracasso em conseguir manter um relacionamento funcional do que a dificuldade de sentir. Mas é verdade que, se me perguntam do que eu mais me orgulho em mim, eu respondo Minha sensibilidade.

Parei numa frase que, de tão importante que a achei, fiquei murmurando pra mim mesmo, morrendo de medo de que a esquecesse. Após o show pude anotá-la em meu celular. Era: O que é a responsabilidade senão um nome à parte do poder de Deus que nos cabe? O texto tomou alguma forma, ganhou título, já não sei mais se na profundidade do meu sentimento, ou se depois, durante meus sonhos. Mas sei que queria muito escrevê-lo, não tão diferentemente do sonho que tentamos lembrar. Hoje, com disposição, eu tive espaço e tempo de escrever. Mas, incapaz de colocar sentimentos nas minhas palavras, escrevi um texto dissertativo demais, apesar das camadas de literatura e autobiografia que o permeiam, de que gosto muito. Ele aqui:

Quando alguém comete um erro ou nos machuca, dói muito mais uma eventual reação apática do alguém do que o próprio erro ou machucado. Dói muito mais quando o alguém não se toma por responsável pela dor infligida. Nós nos machucamos com a falta de responsabilidade do outro.

Ser responsável por algo ou alguém é das mais pesadas tarefas, porque há uma relação direta com a nossa competência de cuidar do algo e, portanto, com a imagem que temos da nossa própria força e capcidade. E, é claro, com a culpa – que talvez nada mais seja do que o encontro com a própria fraqueza. Franqueza.

Esquivar da responsabilidade é, portanto, esquivar do eventual confronto dos próprios limites, da finitude de si. Provavelmente com esse bonito sentimento, de fazê-los infinitos, muitos pais privam ao máximo seus filhos de responsabilidades .

A crueldade desse romantismo que se atribui à geração vindoura, dessa idealização da infância, dessa transferência de sonhos à prole, é raramente reparada. O ápice desse processo se encontra na desapropriação de si mesmo – em que nem pelo próprio corpo tem a criança condições de zelar.

A isso, mesmo a barbárie capitalista serviria, numa idéia de que o próprio corpo é uma propriedade, que deve ser cuidada, estimada, em que se deve investir.

Esse sorriso com que brinca a criança de cair, é o mesmo presente no choro quando percebe ela, já adolescente, que não olhar por onde se anda pode fazê-la esbarrar em alguém. Talvez fazer esse outro alguém cair.

Os pais, ao cuidar desses pequenos jardins, não podem viver por eles, através deles. Porque aí esses eles não vivem. Não tomar responsabilidade pelo que se é, pelo que se faz, é muito próximo de não viver.

Tornar irresponsável é causar sofrimento. Porque, de repente, no meio de uma noite estrelada, nem as estrelas nem a noite lhe são de posse, cuido, ou contemplação. Nada disso lhe pertence. Nada disso é de sua responsabilidade. O próprio prazer, tampouco. A própria dor, tampouco.

Tirar o poder da criança sobre as coisas, torná-la a todo tempo dependente e obediente, bem-educada e amistosa, temente e cumpridora, é destituí-la de força para, por exemplo, realizar os sonhos que você, pai, não pôde realizar. Pois ser responsável por algo, é, sim, ter poder sobre algo.

Aquele que faz uma obra de arte, mas não se sente por ela responsável, é tão feio e desprezível quanto aquele outro que me machucou, mas que não se admite responsável pelo meu sofrimento.

O que é a responsabilidade senão um nome à parte do poder de Deus que nos cabe?

Tão longe era meu texto da frase que eu anotei, que ela, a frase, teve de ficar isolada, sem ligação ao resto do texto, sem continuação, ali, crua, sem adubo, sem raiz. Eu quis chamar esse texto de “O ‘tornar irresponsável’ versão 3”, pois essa definitivamente não é a versão 1, que eu quero atingir.

Ao mesmo tempo, eu não consegui dormir. Precisava dialogar comigo mesmo e é exatamente isso que faço aqui. Por isso esse texto é tão agridoce. Ele não é bom. Esses diálogos são invasivos. São íntimos demais. Porque eles são o diálogo que eu tenho comigo mesmo na cama, ouvindo meu coração bater, me impelindo a algo maior e maior. A tomar responsabilidade, nem que fosse por um texto. Uma pena que, com a metalinguagem, eu só consiga fazer o contrário e further and further me desresponsabilizar.

O que é a responsabilidade senão um nome à parte do poder de Deus que nos cabe? Pois ser responsável por algo implica em ter poder sobre o rumo que esse algo irá tomar; um poder sobre o destino das coisas, se assim se quiser dizer. É um poder de criar coisas, de guiar coisas, de salvar coisas. É o poder de Deus, distribuído a cada um de nós.

Não há nada mais bonito do que ser responsável. E, mesmo que eu use as palavras Deus e Poder – assustadoras, eu confesso –, é bonito. Afinal, é preciso que eu pare de temer as palavras, sejam elas Política, filosofia, irracional, Deus, poder, verdade, mentira, responsabilidade, amor, Homem, Mulher, adulto. Eu estou desaprendendo a ter medo. (Porque, né?, medo se aprende.)

É preciso que os filhos desse mundo tomem coragem de ser responsáveis, que os filhos desse mundo não temam tomar esse mundo como seu, numa posse que não implica em propriedade, mas em responsabilidade. Palavras, palavras. É preciso que se veja que o mundo não pode, não tem como, ser tão medonho assim. Nada pode ser tão difícil quanto isso que você imagina. A prova disso o está esperando numa música, possível, tocada ali na frente, por três pessoas que resolveram pegar um pouco da beleza do mundo pra si, e ainda me permitir acessá-la. A prova disso está nesse sorriso-choro que o carrega e consome. Que traz, lá de tão longe-perto, o melhor que há em você. Aquilo de que, inevitável e justamente, você se orgulha. De que você se sente responsável. Você não choraria, se não se sentisse responsável por essa beleza que ouve. É essa sua capacidade, de ser co-responsável por essas belezas todas, que o faz ter asas tão grandes, tão esbeltas.

Não há nada mais bonito ou prazeroso do que ser responsável. Aliás, só podem ser sentidos a beleza e o prazer, ao ser responsável. Se não, é só… comoção? Não sei, há poucas palavras. É bom poder deitar, satisfeito por finalmente ter tomado responsabilidade. Mesmo que esse texto seja, em parte, íntimo demais, por erros da linguagem, por dificuldade de sentir, por eu não me tocar. Não é linda essa expressão? “Se toca”? Apesar do erro de concordância e da próclise? Okay, isso foi brincando. Boa noite, meus amores.

10 de junho de 2010

Zoon politikon

De onde surgiu em mim a descrença na política? Onde, presa em algum lugar entre as primeiras chamas e as velhas novas estrelas, se fez valer um sentimento de negação da política?

A minha introdução, sempre tão metalingüística, hoje tem fim cedo. Não me alongo no onde, no por que. Mas no aonde, no porque.

Pois, por mais absurdo que seja o mundo à volta, esse de guerras e cores tão diversas quanto são as transições entre as cores do arco-íris; por mais imoral que me pareça ser a idéia de simplesmente dar continuidade ao que já existiu; a crença na lealdade ao que já foi; e absoluta inesperança que me assola todos os dias antes de dormir e quando acordo; que bobo sou eu, esse que desiste, que desisti da poítica.

Embora, nos mais estritos termos, o ódio à burocracia seja compreensível; a crise dos sistemas, inquestionável; a corrupção dos políticos, já popularmente aceita; a estatística e o pedantismo, assassinos confessos da matemática e de toda ciência; a universidade, morta como a igreja; a seriedade, eterna repressora da alegria -- como tocar um negócio, senão pagando as contas? como passar os dias, senão com uma família? como não se enfezar com roubos e desvios? como não criar argumentos estatísticos? como não se adequar à gramática? como não respeitar um professor de verdade? como não levar a vida a sério?

(A resposta seria: virando um ponto de exclamação. Ou ainda: virando um sinal de ‘menos’. Ou: dividir por zero. Por último: sendo uma negação.) A resposta seria: negando tudo. Negando o mundo. Negando a si. Por que? Porque negar-se é a mais fácil das covardias. E desistir em frente à burocracia, é covardia

não, repara, porque a burocracia seja em si um símbolo qualquer de elevação, coragem ou bem – não porque ela mereça ser levada mais à sério do que a vontade de negá-la; não porque os ódios, algodões-doces, vontades de explodir e de explodir-se sejam atos de descoragem, mas porque eu (e esse texto é absolutamente pessoal, não importando o tom com que escrevo), porque eu sou o que eu sou, e vou acabar indo aonde o que eu sou vai. E eu fui bobo.

É covardia pra mim, porque eu posso, todo esquematizado, desistir. Em vários níveis. A burocracia, o sistema, a corrupção, a estatística, a gramática, a universidade, a seriedade: estão desde o ato de acordar com despertador até votar no 12, 13, 15 ou nulo, e além – até fazer amor de frente ou de lado – até escrever em parágrafos ou versos – até ver um filme e se emocionar ou criticá-lo  - até um aperto de mão depois de uma fala – até um xis marcado numa questão de prova – até escolher duma lista uma profissão – até escolher um nome de um bebê – até substituir vírgulas por travessões – até sorrir, sonhar, beijar, cheirar, amar. {Desistir de tudo isso?!}

O que é – senão política – amar, cheirar, beijar, sonhar, sorrir, acordar com despertador, do próprio jeito? O que é ter a audácia de despertar sem o despertador? De amar sem nomes, talvez sem Amor, de beijar os sonhos, cheirar os sorrisos, trocar verbos por substantivos, não por tendência modernista, mas pela mais pura, ingênua, inlapidada, expontânea vontade de ser tudo aquilo que parecemos desde sempre ter sido feitos para ser? O que é a política, senão a na veracidade dessa vontade – o abandono à sinceridade do querer (e do não querer também!)?

Eu, animal preso na interseção entre selvageria e ortodoxia, poeta que pinta com a matemática, músico-burocrata, desenhistabailarino, que sou eu? que devo fazer eu? senão potencializar – não um ou outro – mas o poder que reside no exato fato de eu ser ambos, de eu ligar os dois! Eu sou ponte. Eu sou anfíbio.

Eu sou ponte que liga este a um mundo melhor. Com toda a ciência de que um mundo melhor inexiste. Com toda ciência de que eu não ligo nada. E que trabalho mais grato poderia haver que o de ser ponte invisível inefável inútil? Irresponsável.

Eu sou esse meio caminho entre o que há de mais anárquico e o mais autoritário. Eu sou porta-bandeira do novo, escalador de uma montanha que, sim, uma montanha que já existe! mas que nem por isso não deve ser escalada. Eu não preciso criar uma montanha nova – mas lá de cima, eu poderei ajudar tanto mais a criar montanhas, a destruí-las quando assim for objetivo, e outros a escalá-las, (no meu dever de professor que tanto almejo).

Um cargo público, de economia, direito e burocracia – pode ser um passo. Talvez absolutamente necessário para que eu possa continuar respirando o ar da forma que eu quero respirar. Um cargo político – pode ser uma experiência. Um servo do Estado rebelde e anarquista, sorrateiro e delinqüente, que tem nas mãos, não a democracia, a liberdade e os direitos - mas a inteligência, a vontade e os meios; um sentimento de diplomacia e de pátria que vai muito além das relações internacionais ou do nacionalismo – mas um agente diplomático entre seres humanos (não entre interesses), um sentimento de pertencimento (não a um país) ao mundo e a todos aqueles que se pretendem também políticos, hasteadores de bandeiras das montanhas do mundo todo.

Sou eu, voz de uma onda, degrau de uma escada. Animal político a levar (o que? sei lá!) ao mundo. Porque é isso que eu sou: um pedreiro, mexendo o concreto, aplicando asfalto. Preparando-te a estrada. Não me menosprezes: não deixes de decolar. Tu, que lês, talvez, o meu segundo texto mais sério.

8 de junho de 2010

20 de maio de 2010

leitoras leituras

Na palavra seguinte já não estava mais lá. De repente, o que estava “lendo”, aquilo que circulava entre a parte sensorial e a verbal da consciência, não conversava com o sujeito que havia escrito o livro ou com aquele que, por mera inércia, ainda o tinha nas mãos e a retina às palavras direcionada – surgira um terceiro elemento, estranho à situação, mas interno ao corpo dono das tais mãos e retina (percebe: só se pode ser leitor à “interrupção” da leitura). Em suma: não estava mais lá.

Pra onde havia ido?, já o saberia, enquanto puxava do bolso o celular que serviria de papel à narração da experiência literária que vivia, tão incrível era que merecia tornar-se, em tempo real, uma outra (“é mais ou menos pura agora que é metalinguística?”).

Pois tinha ido – e continua a narração – à exploração do que sentia, primeiro inconsciente, depois conscientizadamente. A primeira coisa que percebeu, de que a consciência se apropriou, foi, em imagens: Infância e Corpo. A memória, em vez de criadora, passou a ser batedora, explorando um passado há um segundo adormecido: na infância, o corpo funcionava diferente. Isso é percebido num campo não-verbal, está sendo sentido, a memória é ativa, não escrava da razão.

Percebê-lo foi de uma beleza bonita.

Repreendida a normal antiga repreensão, sentia de novo o que sentia: jogava bola, e queria ganhar, precisava ganhar, e empenhava suor e energia – vontade. Tinha ido para lá: à vontade inexorável e tão prazerosa de um pirralho de roubá-la, driblar, chutá-la. Não foi gol.

6 de maio de 2010

Obsessivo-contemplativo

Falo de você.

Inquieta, apreensiva, cuidadosa, atenta, desleixada, observadora, lírica, estonteante, bonita, andante, repentina, estranha, difícil, impenetrável, revelada, desmistificável, inapta, aprendiz, nova, sábia, jovem, sabiá, maluca, sã, racional, intuitiva, contemplativa, forte, frágil, descompromissada, leal, saudosa, saudades, bolo-de-chocolate, fotografia em sépia, prendedor-de-cabelo azul-marinho, sapato, cinto, cinta, vestido, verde, amarelo, cores, pintora, artista, expressiva, introsepctiva, expansível, pan-ser, grande, miniatura, telescópio, microscópio, óculos, lentes, canetas, corações, bisturis, colãs, letras, palavras, versos, contos, conte-me!, amante, solitária às vezes, deus-lua, grafite, , clave de sol, fone de ouvido, Bach, meiga, rija, olharuda, dançosa, séria, batom, sombra, blush, apassarinhada, bebente, voante, poente, sol quando amanhece, chuva quando começa a parar, calçada, meio-fio, poucas vírgulas, alguns dois-pontos, muitos travessões, nenhum parênteses, alguns pontos-de-exclamação íntimos, unhas, pernas, ombros, ponta do nariz, metade da testa, tamanho da orelha, estrangeirismo internacional, madrugada, aplicada, vontade, confiança, vermelha, terra, maior, admira—, –nte, –ável, –osa, –ada, –dor, –triz, –me, –nos, –i-la, respiradora, falta de ar, correr por você, cheiro de nuvem, dedos-do-pé, estratos do suco de laranja, extrato da cor laranja, x e s, sorriso, chama líquida, cambalhota, cabeça-pra-baixo, olhos castanhos-morango, uva-sem-caroço, pêra sem maçã, frase sem verbo, infinitas estrelas, via láctea plúmbea, satélites aquáticos, peixes-brilhadores, ponto de interrogação sem o gancho, perspectiva alinhada com a curva, imagem auditiva, cheiro de melancolia falsa, solitariedade verdadeira, pescoço nu, pele lisa, inventora,

Porque anteontem eu cortei o cabelo.

23 de abril de 2010

Eu-que-canta

Não, não é em termos técnicos que falhas, não é na não-subida de tom, ou na desacomodação ao ritmo, o espectro reduzido de freqüências que atinges, ou a suma incapacidade de cantares até o fim do verso.

Tu falhas nas notas que fazes, não com tua voz, mas com a dele (ou dela). Tu te esforças pra ser o vocalista que não és.

Não percebes tu que é tua voz que desejo ouvir? A tua e nenhuma outra? Por mim, jogavas fora teu violão, cantavas todo inteiro pra mim, fazias do silêncio teu instrumento, ressaltavas tua voz. Tua voz e nenhuma outra.

Tua voz é tão linda.

E percebe, quando te dirijo a fala: não é da falta de emotividade ou expressão que reclamo – chegaste mesmo a considerar que eu conseguiria ser indiferente àquilo que cantas? Não mesmo! Tua dor, tua face contraída, teus olhos esbugalhados; é tudo tão transparente, é tudo tão palpável… Se alguém em necessidade intransitiva de sentir, o escutasse: se apaixonaria, pois tu terias cumprido seu desejo, fazendo-a contrair-se ao lado da tua dificuldade e do ímpeto com que arranhas teu corpo (pois tu e teu corpo não vos dais bem: tu arranhas tuas cordas vocais, enquanto tua boca, invejosa do ouvido, se te torna importente)

- reclamo de como inibes tua voz, de como tentas desesperado fazê- -la outra, de como pareces desejar não ser dono da própria voz, como que te eximindo dela. Se algum dia reclamei da falta de força  com que cantas (e bem o fiz!), não foi um pedido de mais densidade ou mais aceleração, não: tu só soas fraco na medida em que pareces querer esquivar-te da força, da força de tua voz, pareces não querer admitir que és dono dela, que mandas nela, que tens força sobre ela.

Tua voz não é destituída de força: tu que não forças tua voz!

Tua voz é tão linda.

Ela tem um tom ingênuo, raspando a marca de infantilidade, faz-me querer apertar-te, segurar-te como a um ursinho de pelúcia: cuidar de ti. Pois tu soas um completo indefeso, pedindo colo, pedindo socorro, berrando a Deus. Como resistir a este sentimento que nos impeles: de sermos-te Deuses? senão com raiva…

Será que algum dia hás de perceber que não estamos nos apaixonando por aquilo que realmente és? Que adoramos teus instrumentos, tua vontade nos comove, e tua feição nos serena? mas que tu… nada nos fazes. Algum dia… largarás teu violão, teus espelhos, tuas palavras, teus conceitos – talvez até mesmo teus pensamentos e sentimentos (és forte a esse ponto?) – e só serás, só cantarás, alegre, o hino teu, só teu, só teu.

Algum dia me concederás a oportunidade de amar o que está plenamente sendo em ti – aquilo que plenamente és?

Algum dia escutarei tua voz?

Tua voz é tão linda.

17 de abril de 2010

É tempo

de escutar os próprios sonhos.

6 de abril de 2010

Feriado implanejado

Chove tanto. O dia foi todo feito de ócio, de não-fazeres, de dormir acordado. Meio bicho preguiça, meio adolescente apaixonado: tempo estranho, devagar mas rápido, gostoso mas vazio. Talvez, se houvesse rimas, uma poesia calma. Fechar os olhos: o metabolismo lento, um primeiro ciclo do sono. A vontade, já dormente, de sonhar. Um dia de anarquia, de inútil e improdutivo reinado. Ao lado do cavalo, mas ele só olha; e você, sem espora. Inspira o ar, segura-o, ouve o coração desapressado, respira primeiro na barriga, depois um pouco de ar no pulmão, ao mesmo tempo que um sorriso. Sonolento, passivo, balançante. A cabeça inclina, pára, vira. Não há rumo, não há determinação, meta. Uma espécie de liberdade comatosa. Vez ou outra se respira com mais intensidade, se ajeita a postura, se busca mais energia, ou mais desejo. Mas se volta: os músculos, e também os da alma, não permanecem tensionados. Nem chamar a nostalgia, amiga dos silêncios lentos, excita-a: a mente parece dormir, como que acudindo àquele pedido dos dias estressados, “chega de matemática”. Só resta – resta o quê? Resta um. Uma unidade de eu. Não as várias que, normalmente despertas, brigam sem parar entre si. Mas apenas uma, pacífica e soberana. O feudo de A Bela Adormecida, esperando: pelo princípe, ou pela maldição? Lá fora as pessoas morrem. A terra lhes sufoca o grito, e eu aqui tomado pela Terra.? Mas chove tanto!

20 de março de 2010

Réplica ao desconhecido

Como responde o poeta ao lhe versarem os olhos?
dirá ele, humilde e admirado, “são teus, obrigado”?
ou talvez, num tom cortês, “não te miravam – não, não desta vez”?

Independente- penso eu –mente do que faz o poemador,
não vejo-o senão sorridente, quiçá: avermelhado
- Ora, vejam só! Tenho, ao meu lado, não menos: um trovador!

Pois, ao invadir-lhe o terreno (tão só, tão ameno!),
mal espera o invasor: “Socorreste-me, ó”, agradece o poema-dor.

“Quanto do meu tempo se perdeu ao te esperar,
por que é que não vi-te antes, ó, musa do meu olhar?
O que vês, o que sentes? – fala, fala, não hei de te negar!”

“Ó, poeta dos olhos esverdeadors, cuja alma me enche de pecado,
(Não sabes quanto do tempo meu se passou em procurar, noutros, [os versos teus)
Não, nem imaginas, mas tuas palavras soam-me como as mais [lindas,
destas que se põem em cristal, a ser às damas doado em
[formando-se casal

Tal fazes-me sentir: uma mulher com teu amor-poesia presenteada
E agradeço-te, posto que me viste, me olhaste: eu, lisonjeada.

No entanto, querido poeta, te enganas e te atrapalhas.
Vejo, já agora, que tua alma antes a mim rica, enveludada,
não passa de mentiras e, céus!, tão mimada.

Se verdade fôr que me enxergas como salvadora do teu bosque
(no qual tu mesmo fizeste questão de te esconder),
permita-me discordar: “Que nojo de você”.

Encantavam-me em ti a doçura e expressividade, pensava: “quero-o
[meu em minhas tardes”
Encantavam-me em ti o sorriso tímido e a postura analítica, pensava [“quero-o meu, vou decifrar-lhe a cara”
Encantavam-me em ti a seriedade e o prazer e, mal pensaava, “lá vou eu, de poesia à prosa, aventurada”. Encantava-me em ti a explícita formalidade, quando – pela voz – percebia a tua vocação para a poesia. Tu és meu príncipe encantado e, no entanto, eu não me permito encantar: não sou mais adolescente, eu não me permito fingir voar. Permite a mim, não o vislumbre das alturas e dos céus-de-arco-íris, mas o mergulho nas tuas águas, sejam elas mansas ou marèadas. Não quero que me consideres um encontro, um achado, quero que possamos, os dois, perder-nos, um no outro, os dois no mundo. Eu sou teu início e não teu fim, meu amando mundo amado.

20 de fevereiro de 2010

Responsabilidade

texto sob revisão

As pessoas desastradas não têm culpa de esquecer a chave do carro, ou a comida fora da geladeira. Se essas coisas são tão simples pra mim, então o responsável por elas é naturalmente eu. Isso é simples, faz sentido. Ponto. É praticamente uma idéia clara e distinta.

As pessoas desastradas, no entanto, podem – e costumam – ter outras qualidades, que não a arte de lembrar de pôr o bife na geladeira. Tampado. Elas podem, por exemplo, ter uma sensibilidade às coisas simples que escapa àqueles que lembram da merda do bife.

Digamos que ela seja uma ótima dançarina, ou desenhista. Melhor: ela é ambos. Talvez ela sofra volta e meia por não conseguir se lembrar da tampa do bife. Talvez ela tenha perdido uma refeição assim, talvez tenha deixado alguém doente. No entanto, se ela põe sua vida em perspectiva, ela deve perceber que a dança e o desenho são fundamentais pedras na sua vida. É algo que "ela “não poderia deixar de fazer”, embora às vezes deseje apenas se lembrar do pobre bife.

Se existe algo que “não podemos deixar de fazer”, significa que somos responsáveis por esse algo. Ela é responsável pela dança, pelo desenho. E aquele que consegue naturalmente tampar e guardar o bife, é responsável por ele, exatamente porque ele consegue tampá-lo e guardá-lo. Nesse sentido de responsabilidade (chamemo-a de ‘bife’?), surge a pergunta “sou responsável por escrever?” – e repara que essa é a tradicional pergunta-chave desse texto.

Ou talvez ela seja “pelo quê sou responsável?”. Uma pergunta que faz total sentido às vésperas do vestibular. (o que? Uma referência a um fato mundado de minha vida?! Quem mais acha que esse texto é diferente, levanta a mão o/)

Percebi há pouquíssimo tempo que um de meus motivadores para a escrita tem sido a vontade de ser bonito. Algumas pessoas disseram que eu consegui. E então eu fiquei lisonjeado e agradecido, longe de ‘satisfeito’. Foi bom, porque parace que eu percebi que precisava de outros motivos pelos quais escrever. Motivos ou motivações que, ao realizados, me suportassem, me crescessem. E não simplesmente me afogassem, como algumas vezes aconteceu.

E provavelmente é esse o motivo desse texto aqui: uma perspectiva completamente outra. Pois estou encarando a possibilidade de não escrever por um desejo (como em “quero ser bonito”), mas por uma responsabilidade (como em “preciso fazer algo”). Eu não sou como a desenhistabailarina  para quem escrever é uma ordem, natural e expontânea. Deixar de escrever não seria para mim um suicídio. Por isso, aliás, eu não sou um escritor. (o que não significa que eu não possa ser, mas esse não é o assunto.)

Na verdade, eu estou mais perto de ser responsável pelo bife, literalmente, do que por escrever. Guardar o bife é tão natural e expontâneo, faz tanto sentido, e é tão heróico: já salvei muitas pessoas de serem envenenadas! Tudo devido à minha incrível facilidade em fechar e guardar…o bife. E olha que eu não sei dançar nem desenhar.

O que eu sei, além de, claro, o bife? O que eu sei que me faz responsável? Esse texto, por exemplo: já passou do 3000º caractere e, aparentemente, alguém ainda o está lendo. O que ele tem de mais? Por que eu ainda o escrevo, e “você” ainda o lê? (a propósito, não se engane: ler é uma atividade, não uma “passividade”, e também implica em responsabilidade).

De fato esse texto é especial: eu sou responsável por ele. Deixar, ou parar, de escrevê-lo seria uma traição e um suicídio em menor escala; ele é algo que eu “não poderia deixar de fazer”.

Então, eu já disse que sou bom com bifes. Que mais? [Com o intuito de adiar ainda mais o momento em que eu respondo isso, eu talvez deva dizer do que eu fiz antes de começar a perguntar isso. Talvez eu deva analisar o que eu escrevi até hoje. Boa parte “disso” começa cronològicamente com Friedrich. E por “disso”, eu quero dizer esse blog. Antes dele, meus textos serviam a outro propósito, eu acho. antes, além dos textos para escola (de que eu sempre pude extrair prazer), eu escrevi… Gritos. É, talvez não tenha mudado muita coisa.

Eu escrevia os gritos mais racionalizados e não-gritados que eu já ouvi. Eu elaborava sistemas, debatia lógica, causas e efeitos, métodos. Assim eu me encarava. Cheguei às verdades mais frias, aquelas que hoje eu chamaria de menos verdadeiras, e sofri por não ter me permitido sofrer. Eu literalmente discursava sobre meus sentimentos, tentava fazê-lo caber numa redação de vestibular. é engraçado, é trágico. Eu dava nome: Psychological Mindstorm. Nunca tive intenção de ser bonito, escrevendo o que eu escrevia. Mas talvez tenha sido no meio daquele turbilhão de seriedade e lógica que eu descobri, fria mas verdadeiramente, a minha vontade de ser bonito. Um excerto: “…”

Depois eu fui mudando. Crescendo em direções estranhas. Não vou preencher o gap entre os meus mindstorms e meu Friedrich: basta dizer que eu cresci, que fiz muita terapia, que me apaixonei, que mudei. Mas não mudou a vontade de ser bonito. Na minha “festa irracional do nada”, a palavra-chave era festa: queria ser alegre, animado, feliz, bonito. Festas são bonitas.]

Talvez eu devesse destacar a “fluidez”  do meu texto. Disseram-me “seu texto tem uma fluidez, construída”. Eu não sou fluido por natureza, mas sou capaz de construir fluidez. No mínimo. O que mais tenho capacidade de construir? Porque, com o que é “natural”, não sou muito bom. O natural, pra mim, não é bife. Talvez eu não seja o melhor de todosem descobrir algo, mas eu sou o melhor em transmitir, em reescrever, em reestruturar a informação. Sou…Didático? Sou bom como ponte: te levo para mais perto, embora eu não tenha idéia de que do que, ou de onde.

Sou bom com sistemas, com problemas, com análise, processo, e solução. Eu sou, de alguma forma assustadora, muito concentrado. Muito focado, certeiro, preciso. Se eu colocar em outras palavras, perco a vergonha de dizer: “sou cientista”.

O problema é quando isso parece me afastar da sensibilidade, da arte, do artista. Até agora só me apaixonei por artistas. É o meu desejo, de ser bonito. E não é para menos que eu me assuste ou fuja quando me olho no espelho assim: de gravata, preso, dentro de um método. Eu sou o melhor nisso, sou responsável por esse método, sou responsável pela ciência e por transmiti-la, mas odeio isso! E sinto-me hipócrita quando vejo que amo a sensibilidade, a feminilidade das coisas, a anti-ciência, a liberdade.

Viu esse último parágrafo? Ele é tão forte que (claramente) fugiu do meu controle. Precisei de vírgular, de substantivos, de exclamações. E é por isso que eu passei tanto tempo escrevendo, lendo, vendo filmes, tentando ser bonito.  Porque volta e meia eu explodo, como acabei de fazer. É uma explosão de vontade   de desejo   de ação. É bem diferente da minha concentração (que eu mal-interpretei como calma tantas vezes).

Talvez sejam opostos, a minha explosão e minha concentração. Com raiva da segunda, eu tentei maximizar a primeira, ‘explodir o máximo possível’. Isso também gera sofrimento, porque isso também é tiranizar uma parte de si mesmo. O que sempre causa sofrimento, o que sempre é injusto.

Cara dançarinadesenhista,
não sofra pelos bifes. Permita que eu cuide deles.

Esse, como poucos textos antes, tenta não vilanizar qualquer parte de mim (dica: é difícil), tenta atingir uma harmonia maior, e, principalmente, é um dos textos mais sérios que eu já escrevi: pois eu tenho completa responsabilidade por ele. Esse texto é o meu bife. Não pretendo me envenenar.

Voltando ao controle… Eu diziada oposição   apartente   entre o meu “sou cientista” e o recém-descoberto “sou artista”. E então eu disse que este texto é o início de um processo “façamos as pazes”. E agora eu queria chamar a atenção pro início do texto. Ele começa confiante, uma boa introdução, que não sabia que o texto se estenderia tanto, e parece seguro afirmar que o “quê” do texto já estava definido: na verdade, parece que eu estava preparando terreno para confessá-lo.

Falei da garota desastrada, falei da minha facilidade com pequenas organizações (bifes são fáceis e expontâneos; quartos, não). Depois introduzi sorrateiro a questão da profissão, e aí tudo desmoronou no meio da melhor parte da explicação.

O que eu preciso confessar é que eu não sou escritor. Mas preciso confessar, não simplesmente atirar, como se faz com uma “verdade” fria. Ou talvez eu deva dizer: sou um escritor irresponsável. Essa é uma confissão melhor, soa mais como uma confissão. E a minha escolha – sim, a profissão, o vestibular – é uma escola responsável - “consciente'”, como eu costumava falar. Eu sou bom com responsabilidades. Desse tipo, pelo menos: as conscientizações. E é isso que eu preciso fazer; qual vestibular vai me permitir mais consciência? E esse termo é necessariamente vago.

10 de fevereiro de 2010

Esse é de ontem

Eu queria que me conhecessem assim, agora. Click: congela. Não sou bom em pintura realista com modelo. Não sou bom em narrar o que eu vejo, em pintar o que está à minha frente. Portanto, mesmo que eu pudesse fotografar esse momento, eu não poderia, mesmo em cem anos, pô-lo em palavras. Mas também, é claro, se eu pudesse ter tal fotografia, eu não sei se restaria muito motivo para escrever.

Eu prefiro, em vez de fotografias impossíveis, me fundir à obra e escrever o resultado (e também o processo). Por isso, eu tenho um pouquinho de mim fundido em cada escrita minha. Mas se eu tenho vontade de escrever sobre mim - ignorando o aparente egocentrismo -, eu me perco. Deveria eu fundir-me a mim mesmo, entregar-me completamente à mercê de mim? Mas isso é assustador.

E aí eu prefiro sempre, (repara!), entrar em alguma discussão menos poderosa, como "qual o motivo de eu estar escrevendo?" (nessa pergunta, fica bem clara a desconfiança e a resistência em aceitar-me)

O motivo de eu estar escrevendo agora, é pessoal: quero reler depois e entrar em contato com essa parte de mim que tanto me apraz. Também tenho, na minha não-pequena vaidade, uma esperança e um desejo, ao revelar-me tão sedutoramente: quero ser apreciado, degustado, decifrado - ou, no mínimo, visto, conhecido. Tenho o fetiche de ser melhor conhecido por outro, do que por mim. 

Essas discussões não são singelas, mas tampouco são relevantes. Eu estava no alto de meu décimo-quinto antar e eu escrevia um poema de amor. Era algo assim:

da alegria de um momento que não faz sentido,
resta algo sentido
da tempestade que ameaça cair à minha frente,
resta a ameaça
Dos trovões, que lembram Beethoven,
não resta nem a música nem as nuvens:
resta o medo. E a delícia de senti-lo.
De repente, quando tudo isso se junta
[num ferver da barriga,
sinto a alegria, a tempestade, a delícia.
Fecho os olhos, ouvindo os silêncios que cadenciam os barulhos,
transformando-os em música.
E nessa hora, talvez, reste Beethoven, mas só um pouquinho
Nessa hora, o que resta é o sono.
E a certeza de que, embora nada faça sentido,
tudo que ha             é sentido.
E de repente eu sinto tudo e caio minha cabeça no travesseiro,
pois sei que durmo bem, e feliz, pois amanhã, tenho um encontro contigo,
e mal posso esperar.
É esse o sonho, feito de alegria, tempestades e beethoven, que eu quero escrever.
E esse é o sonho que eu faço poesia.
E aí eu digo, uma "última" vez:
boa noite, meu amor. Dorme bem, que eu acordo melhor.

24 de janeiro de 2010

ey

Talvez eu devesse obrigar-me a escrever, fixar metas, cobrar constância. Envivecer o meu blog, fazê-lo menos independente do que eu sou. Sentar ao teclado – com sono, com raiva, lobo, criança, feliz, apaixonado, desejoso de chocolate ou não – e escrever, martelar as tecladas, formar frases, juntar palavras. Talvez o link que eu tanto tento fazer entre meus diversos textos deva ser feito não por mim, mas por quem me lê, e que minhas múltiplas personalidades sejam, não transformadas num todo grande e confuso, mas talvez ‘permanecidas’ cada uma em seu canto, um pequeno texto, de uma frase, de uma poesia, de um ponto de exclamação. Não preciso fazer meu majestoso trabalho de conscientização que normalmente faço de mim mesmo e de meus textos. Repara que em quase todos eles, pareço estar redescobrindo a mim mesmo, ou ao mundo. Um texto, uma descoberta. E as pequenas nuances que os percorrem, os pequenos detalhes, aqueles que só os que me conhecem além dos meus textos – por exemplo os que me conhecem as sobrancelhas, ao olhá-las ali em cima – conseguem perceber. Aqueles olhos, são de medo ou são de convicção? De tristeza ou de raiva? Estava apaixonado? Ou estava morto? E esse texto, é MEU? Faz jûs a mim? Tando faz, porque eu sou feito de tanta coisa que tanto faz. Essa é uma gaveta, é um pólo, é uma personalidade, é um lado, é um tipo, é um EU. E tanto faz se são 4:30 da manhã, ou se esse texto não é bonito, tanto faz se eu não acho que esse texto é bom. Tanto faz, tanto faz, tanto faz. Blá, blá, blá. Blé blé blé.

8 de janeiro de 2010

Poesia.

As lágrimas escorrriam do céu
Brilhando com relampejos noturnos
Faziam-lhe das roupas enxarcadas um véu
Enquanto se provavam o gosto soturno

Dezembro de 2008.