10 de novembro de 2018

Em outras palavras, fraco

Ficou triste e com vergonha de ficar triste.

26 de outubro de 2018

Prece do tempo

Que em cada palavra contenha-se um pouco de infinito. Que em cada abraço abracem-se multidões. Que em cada gesto de bondade pondere-se a grandeza de mil almas. Que em cada fracasso individual sobrepese-se o olhar gentil de gerações inteiras. Porque na queda, como no júbilo, ombream-se todos os seres. Em gloriosa canção fazemo-nos vento, mar e estrela — já que do nosso carbono é feito o teu carbono. Em ti dormimos e contigo levantamos. Do sempre que veio ao sempre que virá, eis-me aqui.

24 de setembro de 2018

As misérias do processo

Uma meditação para a coragem talvez não possa ser diária. Diferente da covardia, que o homem médio há de cometer umas cinco ou seis por dia, a coragem pode passar meses, nos mais febris anos, sem mostrar as caras. Não é de espantar que por religião o homem prefira delegar a tarefa de ser corajoso: é hercúlea, rara e extremamente destrutiva. Suspeito que, mesmo entre os mais extraordinários e distintos entre nós, também ali a coragem fraqueja, cai bamba, pede bengala, ou urra como gado submetido ao ferrete. A humanidade, da pele pra dentro inclusive, é um projeto em andamento. E talvez justamente nesses momentos difíceis, em que os músculos da face jorram à luz suas feições mais escandalosas, quando a pele é toda flor, e qualquer lembrança abala o nosso horizonte mental — talvez justamente aí precisemos em maior medida de uma meditação para a coragem. Não sei bem se consigo esclarecer as condições especificíssimas dessa atividade, que tanto consiste numa crueldade inexorável, rimante do destino, quanto numa gentileza supremamente compreensiva, do seio universal o leite mais morno. Aqui, entre o fogo da tormenta de mil infernos e o néctar primaveril dos amantes, em algum lugar entre o Réquiem e a Nona — aqui nós devemos nos honrar diante de nós mesmos, ajoelhar diante do divino e com o mais calmo desespero: meditar. Nossas coragens! Onde estão? Onde estiveram quando delas fomos tão carentes? Por que nos abandonaste? E com o carinho de uma mulher devemos segurar o nosso rosto molhado, convulsivo, e começar a administrar nossa cura. Doce, muito docemente, trazendo à testa uma folha de hortelã, devemos nos esforçar para ignorar o que em nós há de diabólico, aquilo que de dentro nos inspira à destruição, o ardente suicida que à nossa mente habita: pois não há ser humano nesse maldito mundo — e eu digo isso com o sangue de minha perna riscada — que não tenha cometido na vida um gesto de grandeza corajosa. Nós somos o que somos. Para alguns de nós é esforço diário levantar, e quantos não são os que carregam em seus ombros e suas costas o peso do mundo — apenas uma fração dos quais se torna poeta, e no entanto todos, todos sem exceção, são merecedores do nosso carinho e do nosso amor. É claro que, ao falar dos outros, estamos falando apenas de nós mesmos, de toda a humanidade que existe numa gota de indivíduo. Quanta coragem não houve em labuta diária, em trabalho sobre trabalho, consciência depositada em miséria, a troco de traição e sofrimento, quanta dor não foi rasgada em praia de tristeza, quanto Imensurável não houve em uma conversa digna, um tomar à frente, um sacudir de corpo, da vida um puxar das rédeas, aurora depois de noite tempestuosa? Com cuidado, e com muito mais esmero do que eu seria capaz de descrever, talvez fechando os olhos brevemente (não para não ver, mas para mais facilmente olhar para dentro), devemos nos lembrar. Talvez não tenha sido hoje, nem ontem. Talvez nem mesmo nessa semana encontremos exemplo de uma coragem nossa. Ampliemos nossa busca, afrouxemos nossa vontade de estrangular, devolvamos aos nossos atos a dignidade que lhes é de direito: eu vi você acordando naquele dia que estava cansado; eu vi você falando naquela hora em que as conseqüências seriam menores se você tivesse calado, eu vi você lendo para o seu filho, jurando de amor, eu vi você estendendo o olhar a um amigo que precisava. Eu vi você escrevendo. Eu vi você desenrolando o tapete e sentindo a dor da sua postura heróica ou vajrando-se logo antes de entrar no dojo. Eu te vi orando por mim quando eu estava doente. Eu vi quando você lavou a louça para que seu filho não encontrasse a cozinha suja. Eu vi sua depressão te consumindo e vi sua resistência. Eu vi você tentando. Às vezes a grandeza se esconde; às vezes fechamo-lhe os olhos. Às vezes somos fracos. E às vezes desistimos. Tudo bem. Nada disso reduz meu respeito por você. Nada disso enfraquece a sua invocação da alegria, sua eterna batalha. Você já é divino. Adormeça hoje com os dentes des-cerrados, aceite essa luz que já é sua e abrace a certeza de que você é feito de coragem.

16 de setembro de 2018

Eu, por exemplo

Algumas pessoas só são piores que outras.

18 de julho de 2018

(fragmentos perdidos) Profundo 'tudo bem'

Talvez seja justo dividir as ações humanas (incluindo os pensamentos) em revoltadas e integradas. Podemos imaginar um dedo que se revolta contra a mão, e até mesmo uma célula que se revolta contra o tecido, mas não faz sentido pensar numa gota d'água que se revolta contra o mar de que faz parte. Não pode haver guerra sem partes, e onde não há individuação não há o que partir. Também é verdade, é claro, que as individuações não precisam levar à revolta: nem todo contorno é uma fronteira militar. Mas para que haja revolta, é preciso que haja partes. Aquilo que não se particiona permanece, por inércia, um todo integrado.

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A cognição opera por divisão. Separa, diferencia, contrasta, compara. Claramente a capacidade de dividir, de diferenciar, é evolutivamente benigna. Na guerra contra a entropia, a existência amoébica não interessa. A quem se identifica com a revolta, a integração soa como um passo para trás

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Mas a própria cognição conhece seus limites. Sabe que não pode ter sido, ela mesma, resultado de um ato voluntário revoltado, separado do mundo. A cognição é parte do mundo, assim como o ser humano é parte do reino animal e a Terra, um planeta entre milhões. Não há excessões. O que está no mundo ao mundo pertence. Não podemos aspirar a ser nada senão aquilo que já somos. Qualquer robô, dermocosmético, nazismo ou tortura que inventarmos terá sido permutação de elementos previamente existentes. Nada terá sido criado. Nenhum passo para longe da Natureza terá sido dado. O mundo é uma totalidade causal fechada, sem exterior. Também isto a cognição já sabe.

Para o cognitivista, se eu puder reinventar o termo, o significado da vida encontra-se na realização de um número cada vez maior de contingências, isto é, na expansão do mundo "efetivo" (au lieu do mundo "possível"). 

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26 de junho de 2018

Metamorfosear-se em predador

Antes de dormir, pergunte-se com sinceridade e um pouco de carinho: de quê fugi hoje? Ignore impulsos catárticos — o que não se fez durante o dia tampouco se pode vomitar à noite. Faça o possível para se livrar de julgamentos acerca das consequências: não nos interessamos por "fazer o bem" nem em colher créditos com o futuro. Julgue senão o páthos presente nas suas ações e inações: houve ali paixão? vingava-se de quem? com quem competia? estava cansado? sentia-se superior? encarecido? quente? sub-utilizado? preguiçoso? desconjuntado? irrespirado? Observe o medo, a culpa, a intromissão de pensamentos, o franzir das sobrancelhas, a produção de adrenalina, as contrações e os relaxamentos, o encolher-se da alma, a vontade irrefreável de dormir. Torne-se, com o treino, senhor de suas sensações — conheça o que lhe faz girar as engrenagens, sutilize a auto-consciência até os níveis químicos, sub-atômicos, sinta-se em cada grão, identifique os seus eus profundos — — saiba o que você é ao ser. Não o que você acha, agora à beira da cama, que foi. Não o que você causou ao agir, nem como transformou ao mundo ou aos outros. Preencha-se de si mesmo: se você não é extenso o suficiente para isso, engrandeça-se. Desenvolva olhos de águia e com eles mire as suas covardias. Calcule a trajetória que fizeram até ali, encontre seu ponto fraco, mapeie seus hábitos, triangule onde estarão amanhã. Por enquanto, contente-se em espreitar: estamos apenas meditando antes de dormir. Mas, aos poucos, perceba o seu coração acompanhando os olhos, tornando-se gradativamente — — de rapina. Quando estiver pronto, e tão naturalmente quanto a covardia hoje lhe causou fugas, amanhã um algo diferente causará seus movimentos. Aprenda, de si e para si, a desacovardar-se.

20 de junho de 2018

Our biggest asset

Covardias acumulam e cobram dividendos. Ai de quem as cultiva: de seus ovos nascem dragões de neurose! Aprendamos a identificá-las quando ainda são pequenas e tratáveis: pequenas coragens — dizer a verdade, reclamar direitos mesquinhos, cuspir o veneno de volta no copo — são como ações investidas no incípio de uma empresa bem sucedida. Nosso portfólio de investimentos espirituais começa com as pequenas covardias que superamos. Não as subestimemos.

17 de maio de 2018

Numa pedra

"A forma como fazes qualquer coisa é a forma como fazes todas as coisas".

Unicidade

Mas haverá mesmo essa distinção entre estética e ética? Não é verdade que todo caminho define ao mesmo tempo uma direção e também uma forma de caminhar? Não são quase sinônimos? "Para frente" é uma direção ou um modo? Retidão é um alvo ou uma forma de contornar? Existe diferença entre um objeto e os contornos funcionais que o definem? A natureza afinal possui substrato?! Somos (aquilo) o que somos ou (a forma) como somos? Não é todo ser afinal — — adverbial? 

As estéticas são éticas. A breguice (pra dar o exemplo) não somente descreve, mas prescreve também. 

Tomar cuidado com armadilhas filosóficas! 

Historinhas

É possível ser cínico e responsável ao mesmo tempo? As responsabilidades precisam ser inventadas e, então, aceitas enquanto invenções. O mundo criou uma tabela de valores tacanha, inveterada, incrivelmente brega. Rejeitemo-la em bases estéticas, mas sem lhe esquecer as lições. 

16 de maio de 2018

Pai de rapina

Perenear nosso estilo é semelhante a acolhê-lo com grandes asas paternais. Protegê-lo, sim, mas também desafiá-lo, pô-lo à prova; alimentá-lo com música e silêncio, bem como avaliá-lo (com toda crueldade) e incentivá-lo a enfrentar a vergonha e o medo. Somo-lhe pais para o bem e para o mal. A tarefa da paternidade possui duração. Perenear um estilo, como a um espírito, é prepará-lo para a adultice, cultivá-lo em meio a bons hábitos e suficientemente alertá-lo para o perigo (quando não for possível fortalecê-lo). Nem toda poesia terá métrica. Que tenha então alma.

Rio

O caminho de nossa prosa deve tender ao eterno. Não como em Kant, segundo quem deve-se fingir que o eterno já está presente, mas com atenção sincera ao gerúndio. Devemos perenear nosso estilo. Isso significa em primeiro lugar reconhecer que ele não é perene, que ainda não pertence ao panteão divino — e talvez nunca venha a pertencer. Mas isso não nos deve preocupar. Como as abelhas de Rilke, num constante movimento de tornar divino o terreno: do mel do visível ao favo do invisível. O que há de mais eterno, de mais constante, é o devir, esse contínuo  tornar-se da Natureza, uma incansável indisposição à imobilidade. O cansaço é o  Seu oposto: vontade de ficar parado. Por isso fazem parte de nosso caminho fluvial os momentos de laguidão, para que nos restauremos e possamos voltar ao nosso ser-rio (cuja intensidade chega a matar). Devemos descansar antes de sermos consumidos pela vontade de ficar parados. Uma das maiores sabedorias é descansar na hora certa. 

10 de maio de 2018

Orgulhinhos balsâmicos

Sugestão do que fazer diante das falhas dos outros: concentrar-se nas próprias virtudes. 

8 de maio de 2018

Palavras descansadas

Superabundam textos tristes. Nenhum espanto — os alegres costumam estar ocupados. Lembremos que dançar cansa! Mas não desanimemos: a alegria está aí (bem como o cansaço, é verdade). A nós, escritores, talvez caiba uma responsabilidade um pouco maior, que é a de comunicar a alegria com frequência mais representativa do mundo real. Afinal, são os poetas que erguem os alicerces emocionais da civilização. É um imperativo científico reconhecer a existência da alegria bem como a do sofrimento. Ensinemos às próximas gerações a capacidade de ter prazer! — e façamo-lo com desenvoltura, elegância, ritmo. Sorrir! — com o corpo, com as palavras, com a própria vida. Dançar. Transar. O mundo não é apenas terrível. Vale a pena repetir. O mundo não é apenas terrível.

4 de maio de 2018

Ombros de poeta

O que vos tento dizer, meus caros, o que de minhas ações e sofrimentos é consequência viva, esta verdade da qual sou testemunha admoestada, da qual mil vezes tentei fugir, que se prende a minh'alma como sanguessuga benigno, bálsamo venenoso, molho à minha sopa de pedras conceituais, aquilo que mais profundamente me tornei, fui tornado: — sobrevivente! Minha crônica de mim mesmo não é exemplo, mas é espécime. Sou filho da natureza, de alguma natureza, e estou vivo. Mais do que isso: por tanto que eu tenha sofrido, e por mais que eu tenha tão compreensivelmente amaldiçoado os deuses e desejado qualquer outra coisa que não o meu fardo e meu fado e meu fato — — de tudo isso fiz alguma coisa e sobrevivi nem que alguns anos. E de novo e de novo, e tanto mais forte quanto fundo quedei, levantei. Como se houvesse sempre sorriso me esperando, como se disso eu não escapasse nunca, como se eu fosse missionário da alegria dos homens, ainda que impossivelmente dolorosa e ridiculamente improvável. Abandonemos nossa ideia enfraquecedora de natureza: a floresta não se importa de queimar. Ela, muito mais que nós, renascerá. Porque seus frutos são necessários. E é de necessidade semelhante que somos feitos, que tiramos nossa imortalidade. Fria poesia do carbono. Indiferença: esse é meu consolo e conselho para vós que chorais. Debaixo do vosso choro há uma necessidade e aqui os filósofos acertaram: carência orgânica e obrigatoriedade lógica são irmãos conceituais e por isso recebem, adequadamente, o mesmo nome. Não pergunteis apenas do que necessitais, mas que necessidade conjugais, manifestais. Encontrai em vós o que é da Natureza e olhai-vos com Seus olhos. Sofrei, perecei, renascei.

Acre consolo

E se a convalescença — o valor supremo para todos nós que estamos doentes — necessitar dos nossos gritos e quedas e da mais profunda dor e supremo sofrimento? E se, ao final de cada sessão de tortura, remitisse-se o câncer de que padecemos? E se houver sono, verdadeiro descanso, depois das mortes? Que caminho é esse? Por onde se vislumbra dor e escuridão, por onde sequer réstia de luz nos chega a iluminar... Estaremos confundindo, como os antigos, sofrimento com crescimento? Seremos nós parte desse conjunto insuportável de miséria — desnecessária, sem fio nem alvo — dos homens? Habitamos a galeria dos mortos-vivos? Viveremos?! 

3 de maio de 2018

Pior

Acima de todas as coisas, deve-se odiar a si mesmo. Com a força de mil dragões e cem tempestades, como se não houvesse tesouro que não se reservasse por detrás do castelo tenebroso de si próprio, e como se só através da raiva e do auto-desprezo esse tesouro se revelasse. Como se tudo de bom só pudesse existir se um ódio maior que a vida, maior que Deus, consumisse tudo e todos, principalmente a si mesmo. Como se de todos os assassinos e estupradores e genocidas e tiranos e psicopatas reunisse-se em si mesmo o que há de pior, o extrato mesmo da maldade, e dessa substância escura não se visse nenhuma luz nem se sentisse nada que não profundo desprezo, nojo, podridão — como se os vilões dos desenhos fossem reais e você os incorporasse com cada célula do corpo. Como se nada nada em você pudesse se salvar ou ameliorar, tudo em si corrupta escuridão e desfalecimento, hanseníase moral da humanidade, fétido feto abortado da luz, morto de propósito com agulhas elétricas enfiadas pelo cu de Maria. Como se nada pudesse ser capaz de perdoar a sua alma e qualquer animal, por inferior e simples seu sistema pensamentivo, imediatamente se enojasse da sua presença e reconhecesse nela supremo perigo e animosidade, como se a própria natureza o rejeitasse em tudo — e apesar disso ainda fosse patético e miserável. Nada, e paradoxalmente, o pior de tudo. Fera da fera, lobo do lobo. Torturador, algoz, assassino. Nada satisfaria mais Deus que a tua aniquilação. 

Contra o que se deve revoltar

Tudo o que nos apequenou e amoleceu, tudo que justificou o apequenamento, que condescendeu-se à moleza. Tudo que livrou a cara do tapa da natureza e mais ainda aquilo que justificou a fuga do tapa com um esbravejar rouco contra as tempestades. Tudo que em nós fugiu da natureza e tudo que lá fora encontrou refúgio, cama inflável, joelheira, capacete, sistema de segurança, prudência: a competência se conquista cortejando o desconhecido. Quem preferiu castrar antes para não precisar abortar depois. Quem pede cautela, regulação, paternalismo urubuzante, tutela, pastoreio, mão-na-mão e colo. O direito de morrer se conquista vivendo perigosamente. Que o perigo deixe sua marca em nós e que a prudência — nossa prudência — não tenha como alvo nada que nos é exterior. Entendamos as guerras e a bestialidade. Somos monstros! E devemos nos revoltar contra tudo que tentou esconder este fato. Véu dos véus, essa moléstia sobre o espírito! O carinho, meus caros, deve vir depois, depois! Antes: precisamos brincar na lama da natureza.

A função da imaginação

Nosso senso ético é tanto mais aguçado quanto mais cientes somos da própria letalidade. Primeiro vem o dano, primeiro a violência; a gestação da paz veio gerações mais tarde. E o que é a raiva? Ora, é a imaginação do poder! Sentimo-la para não ter de exercitá-lo. Por isso é tão engraçado, tão dirwinamente boçal, quando vemos esses seres humanos evitando a raiva sob o pretexto de evitar o poder! Erro sobre erro!

Analogia hiper-extendida

Imagina uma máquina. Pré-eletrônica: válvulas, vapor, pistão, engrenagens, metal. Há uma certa ordem, nos dois sentidos: uma organização, hierárquica como sempre, padronizada, regular, bem-encaixada, reconhecível; também ordem no sentido de sequenciamento, uma cadeia causal ininterrupta, bifurcada às vezes, mas quase sempre um-depois-do-outro, isto-causa-aquilo, um dois três loop, sentido horário, para frente e para sempre. Se somos máquinas (e somos), a manutenção de nosso bom funcionamento é a prioridade. E manutenção preventiva é preferível. Temos uma certa ordem por base. Ainda quanto possamos imaginar o fim da ordem com a pontinha de nossos cérebros, todo o resto da montanha que somos é hierarquicamente organizado, pedra sobre pedra, camada sobre camada. E não haverá sequer imaginação caso essas camadas quebrem. Por isso a manutenção é tão importante quanto invisível. Descobrir qual é o nosso "para frente", qual engrenagem exige outra engrenagem, desvendar a hierarquia das nossas camadas, olear as nossas esteiras dentadas, habitar o "salão das máquinas" de nós mesmos. Muita inconsciência, escuridão, irracionalidade, esquecimento, bagagem técnica, feiúra, poeira e ineficiência — — moram aqui embaixo. Mas a relação entre a pontinha de nossos cérebros, onde sentimos o gosto suave das poesias e a genialidade dos silogismos clássicos, as ranhuras esteticamente agradáveis de nossas maquinações, nosso pulsar elevado e divino, abrir de asas — melhor: estender de mastros! — tudo isso e tudo o mais dependem da qualidade do nosso subsolo. Da qualidade de nossa manutenção. A meditação que se torna loop confortável entre nuvens e cumes não nos interessa. Somos arqueólogos-baloneiros. Habitantes costumeiros do submundo. Emergir é nossa rara recompensa, não nossa rotina. Nossas meditações são simples, porque todo maquineiro é simples. Não temos o luxo de sistemas mal pensados, nublados, vagos: aqui é cano-sobre-cano, silvertape e carinho. Nossa filosofia (se é que se pode chamar assim) é funcional no sentido de ter, por único objetivo, o funcionamento — e mais nada. Todo o resto é lucro. O magma não imagina o céu azul. Por isso não tememos as regras e manuais de instruções: são nossos amigos e guias. Um bom manual de instruções ilumina mais que lanterna. Nosso imperativo moral? Deixar as coisas mais arrumadas do que as encontramos, facilitar o trabalho do maquineiro do futuro (nós ou outrem). Não aspiramos a mais que isso, pois não temos tempo nem energia. O trabalho nos toma todos os recursos. Não espanta que estejamos sempre cansados.

27 de abril de 2018

Profecia pós-nuclear

Perecemos de inchaços vários. Morremos de febre em meio à neve; de fome, à obesidade; de nervosismo, aos opióides; de câncer, à medicina fina; de filosofia, à maior das bibliotecas. De excessos! — em meio à abundância. Como pode? Onde foi que começamos a sobredosar nossas virtudes e bálsamos? Por que nenhum de nós consegue parar? De que necessita essa geração — a minha! — tão doente? Ombreemo-nos, meus caros. Longo período de comparativa letargia, improdutividade, doloroso silêncio, há de vir — como contraste e consolo aos séculos XX e XXI de que agora padecemos. É preciso descansar. Diminuir inclusive a medicina, inclusive o cuidado, inclusive a nós mesmos; um verdadeiro ser menos nos espera. Uma grande compressa de gelo se há de aplicar no rosto da humanidade. Por décadas comporemos senão em acordes menores, parecendo tristes. Não. É que descansamos. Em nós se cultiva ainda a força do porvir, a calorosa chama de nossa natureza, o indizível sobreviver dos homens — ó, criatura violentamente sobrevivente. Inexoravelmente resistimos. Meteoro não nos mataria — de nós mesmos apenas nós somos os algozes. E que será de toda ciência, todo pensar, todo produto e subproduto da imensa atividade humana que nos cerca? Tudo há de perecer menos o que não o pode. Em outras palavras: tudo menos o que foi feito de calma, atomicamente resiliente, subscrita-no-eterno dedicação. Nós não somos tudo o que fazemos: somos o que de melhor fazemos. Julgamento não há: senão sobrevivência e perecimento. Alegria, música e amor. Poesia no caos. Noites sem dormir tentando pertencer ao panteão de nós mesmos. Muita vã adolescência, gasto e desgaste, muita célula morta da qual se desfazer há e haverá ainda. Sistema imunológico, linfático e nervoso ao mesmo tempo: cura, coleta de resíduos e vontade. Queria eu que doesse menos o remédio de que necessitamos. Estancar, tornicar, quedar-se febril, dormir dormir dormir dormir! Ombreemo-nos, meus caros. 

19 de abril de 2018

Dois tipos de compaixão

Uma que torna co-passiva e outra que torna co-apaixonada. Saiba de qual fugir!

18 de abril de 2018

Metáfora para a modernidade

Nós descobrimos o refino do açúcar antes da anestesia odontológica. Cariar-se era inexorável.

Avante

Alguns remédios ardem para curar. Algumas dores gritam o mais forte quando estão prestes a deixar seu hospedeiro.

Um mito a menos

Não existe nenhuma relação necessária entre sofrimento e inteligência. Desfazer-se dele não acarreta nenhuma diminuição nela.

16 de abril de 2018

Cultivando fracassos menos dolorosos

É nosso imperativo eliminar sofrimento desnecessário. Ao mesmo tempo não somos tão burros quanto os ingleses ao ponto de achar que todo sofrimento se deve jogar fora ou amenizar. Há-os necessários como à combustão o oxigênio. Fracassar é uma função de tentar. E queremos tentar. Não é completamente errado (embora seja impreciso) dizer que desejamos os fracassos. Mas queremo-los edificantes. Causas de aprendizado. Apequenamo-nos — como mola que se comprime — para engrandecer. É fundamental que não atolemos quando caímos. Há lama à nossa volta, mas isso não faz de nós lama. Temos que aprender o bem fracassar. E o que é isso? Oras, se eu soubesse não doeria tanto!

13 de abril de 2018

Estender-se

A yoga nos mostra que estender-se o corpo é, em geral, uma virtude. Traz alívio, espaço, relaxamento e circulação. 

Busquemos uma filosofia que nos traga semelhantes benefícios à mente. Perguntemo-nos: como ter mais alívio (espaço, relaxamento e circulação) mental? O que significa uma mente estendida? Quais são os nossos órgãos internos do pensamento? A espinha dorsal da nossa consciência? Encontremos esses objetos e presenteemo-lhes nossa inteligência, emprestando-lhes força e flexibilidade, para que cresçamos esbeltos e alegres.

Amigos astronautas

Não vos preocupeis: esse monoteísmo tacanho de agora não é apenas estranho à nossa natureza, mas também à nossa história. Não há de durar mais do que alguns milênios. O futuro da humanidade, seu verdadeiro futuro, está garantido. Para nós não há outro caminho: ou viramos todos ateus, ou viramos todos deuses.

11 de abril de 2018

Desvirtudes

Virtudes passivas não são virtudes. Aguentar e sofrer são fatos, não atos. Ter sido derrotado não é motivo de vergonha, mas tampouco de orgulho. Vencer não deveria ser mal visto.

10 de abril de 2018

Ufa!

Vocês estão me entendendo? Para ser grande, e integralmente grande, são necessárias recaídas na pequenez — e nesse contexto isso significa: recaídas na animalidade. A grandeza da alma, como toda outra, precisa ser administrada. Contrastada com o seu oposto, investida, trocada, usada. Nosso século precisa atualizar a metáfora da guerra: trata-se de guerra econômica. De tornar valiosos os nossos recursos, de encontrar curvas óptimas de desempenho e satisfação, de criar tantas rotas comerciais entre nossos múltiplos eus que entre eles se estabeleça tão forte interdependência que se não possa sequer conceber algo como aniquilação bélica. Intra-deterrência mútua, isto é: paz por meio do excesso de força. À medida que a inteligência arma suas ogivas nucleares, nossa animalidade espreita: espere retaliação. O homem do futuro não é santo no sentido tradicional: não é apenas um homem melhor do que todos os homens em ser homem, mas também supremamente animal. O universo é feito do contraste entre a escuridão primordial e a insistência épica das explosões estelares: também nós seremos iluminação e breu, ascenção e queda, animalesca moralidade e ânima imoral, intensamente adultos e jovialmente infantis. O infinito se conquista por meio da compreensão da escassez. 

O problema do cansaço

Nossos militares, puritanos, CDFs e operários — por que possuem eles uma moral tão crua? Por que esse arquétipo sequer existe? Todo guerreiro da disciplina precisa ceder em algum ponto: no caso desses, cuja aptidão se voltou para fora, o interior costuma deixar a desejar. Não se trata de crítica. O filósofo e o artista os invejam — e sequer o fazem secretamente. Acontece que nossa atenção, nossa força vital, é limitada. Um problema econômico: algo tem que ceder, algum preço tem que cair. O filósofo um dia tentou trabalhar "como pessoa normal" e não aguentou o esforço: não cabia nele a grandeza de sua alma e mais as necessidades mundanas da organização, repetição e dedicação. Trabalhar é excruciante e exaustivo: tanto para dentro quanto para fora. Por isso a maioria de nós escolhe apenas um — não tem opção senão escolher apenas um. Pensar cansa. O córtex pré-frontal, sem o qual não haveria filosofia, precisou de centenas de milhares de gerações para que se assentasse em um formato sobrevivente. Houve um gasto enorme de energia por parte da natureza em torná-lo o que é — e o quanto não se abdicou em seu nome! Não só "a natureza" in abstractio, meus caros: mas incontáveis indivíduos morreram e continuam a morrer em nome dessa fugaz invenção do cosmos, essa máquina de inteligir que nós nos tornamos. Gerações trabalham num filósofo; séculos de entropia, aniquilação, morte, caos e violência. Não subestimemos o que a inteligência nos requer sacrificar! Compreendamos dos nossos espíritos superiores o burnout moral. 

Não tão básico assim

A fórmula pela qual temos vivido: pensar pela manhã, trabalhar à tarde, ler de noite. Ela tem muitos pré-requisitos. A começar pela distinção entre pensar e trabalhar. Àqueles para quem pensar (ou ler) é um esforço e um estorvo ela não se aplica. Entende? Até mesmo nossos mais simples provérbios exigem uma certa harmonia entre cognição e sabedoria. Uma ou outra sozinha não basta.

Em busca de um profeta

Mas quem consegue, no nosso mundo de pressa, não fazer nada? Quem teria a audácia, a imoralidade, a doença necessárias para tal feitio? Algum de nós? Ou alguém que ainda não veio? 

Para que fazer faça sentido

É preciso conseguir não fazer nada. O medo da improdutividade é medo também. E, para ser livre, o medo não pode ser a causa de nossas ações — — — nem de nossas inações. 

9 de abril de 2018

Bons fajutos

Procure por virtudes cuja instanciação dispensa esforço: eis os fracos.

8 de abril de 2018

Canção do perdão

Afaga-te por dentro pra que não recaias em ti. Entendes? Pode-se cair para dentro. Há que se ter muito cuidado com os abismos internos. Escolhe com atenção e carinho as canções que te acompanharão, porque só elas têm poder na solidão. Só a música atinge, só ela. Se algo outro dá igual consolo é só porque conseguiu tocar música no nosso interior. Destensiona os dedos que sangram. Vibra de tristeza — sem tornar mais triste ainda. No sol de tu'alma te desmofa. Abrange o doloroso como quem abraça um gigante: sem medo, sem tornar ainda maior do que já é. Perdoa enquanto choras. Afaga-te por dentro pra que não recaias em ti. 

4 de abril de 2018

Pensar para

Os pensamentos não são apenas a força resultante de um determinado arranjo de propriedades mentais (que incluem vigor cognitivo, obstinação lógica, ensidobramento paciente, endoclareza e trabalho); são também componentes causativos de estados da mente. O espírito é uma roda, não uma montanha. Isso significa que a qualidade do pensar influencia o nosso bem ser mental. Assim como a saúde de nossas juntas depende de como os membros se movem — e não se movem —, assim também é a nossa saúde mental. Pensar não é um fim, como querem os filósofos, mas meio de se viver. Toda filosofia até aqui foi apenas tosca medicina — em parte porque não sabia que era medicina. Quanto e como se deve pensar, a importância de um mastigar calmo das proposições, a distinção entre bálsamo e veneno da razão — ora, o valor dos pensamentos, para o espírito, é mesmo nutricional! Nossa tarefa é: aprender a se alimentar.

27 de março de 2018

Fazer com!

O que pode o cansado? Ora, pode ainda descansar, e nisso não se é impotente. Existem descansos piores e melhores — há aí um processo a ser otimizado, isto é, uma oportunidade para o intelecto. Onde se pode estabelecer uma hierarquia desejável, onde o bom pode ser discriminado do ruim, à capacidade de fazer um e não o outro se chama inteligência. Pergunta-te não o que farias caso tivesses mais energia, mas o que farias caso tivesses mais inteligência! Não presumas que sabes o fim e te faltam os meios, mas que os fins estão em função dos meios e para transformar a relação dos dois dispomos do nosso espirito. Aos meios chama-se realidade; à capacidade de transformar, inteligência; e aos fins, vida. Percebes?! A vida não é o que a realidade fez conosco, mas o que fazemos com ela.

26 de março de 2018

Civilization

Do not wait to think till the mind is clear; make it clear by thinking.

Não antecipar

Nosso sangue é mais frio do que o supomos. Evoluímos com a expectativa de que o sol nascesse toda manhã. Sabemos que não é verdade, que um dia ele se há de apagar, mas até lá: banhemo-nos. 

À tragédia do futuro opõe-se o doce gosto do presente. Para nós não há diferença entre o último sopro e o próximo: coexistem no eterno presente. Nós —— respiramos.

24 de março de 2018

Diário de emoções

"Durante meu período no Pinel, pediram-me que anotasse todas as vezes que eu sentia raiva. Isso fez com que minha auto-percepção diante dela aumentasse e, assim, eu me tornasse capaz de lhe reagir.  Aprendi que a liberdade pré-requer uma série de coisas, incluindo a capacidade de perceber os próprios estados mentais antes que eles "tomem conta": pois não somos os nossos estados mentais, mas o que se lhes encontra debaixo do véu, por assim dizer — eu não era a raiva, mas aquilo que era por ela preenchido, possuído, dominado. Aristóteles não estava tão errado assim ao afirmar que cada substância possuía um substrato: somo-lo mais que aos nossos sentimentos, pelo menos.

Todos esses aprendizados, enfim, ajudaram-me a ser mais do que a minha raiva. Ocorreu portanto uma superação de mim mesmo. E hoje a raiva, se não me é doce, tampouco é amarga."

"Talvez devêssemos aplicar a mesma dedicação, o mesmo espírito, nas nossas outras emoções. Talvez toda a vida até aqui tenha sido senão engatinhar diante de nosso propósito divino, que é correr."

"De fato, não me surpreenderia se algum de nós, além de correr, voasse."

Para a cura um treino

É preciso acumular experiências de convalescença. Prescrutá-las, esmiuçá-las, exauri-las, compreendê-las! como se nossa vida dependesse disso — pois depende. Sejamos não apenas os pacientes, mas também os médicos de nós mesmos! (e afinal também os professores desses médicos). E apliquemos aqui uma medicina cuidadosa, intensamente cinzenta, demorada, paciente, excruciante: é aqui que devemos ser mais cientistas.

Descubramos de nossa biologia a verdade.

19 de março de 2018

Proposições teístas

Em todas as partes está contido o princípio. Em toda parte está Ele. 

O infinito não é obstáculo à nossa compreensão do todo. Assim como o balão toca tanto o ar do seu exterior quanto o do seu interior, também nós tocamos tanto o divino quanto o terreno. 

Na nossa ontologia, não somos objetos clássicos: somos propriedades relacionais.

Não há variáveis independentes na função do universo.

Definição arrogante

A meditação cujo objeto é o corpo chama-se yoga.

Para a força

Duas mães: intensidade e sutileza.
Dois pais: foco e relaxamento.

15 de março de 2018

Menos sério!

Escreve abobrinhas porque o mundo precisa de mais legumes.

A favor da bobeira criativa

Quem manipula palavras frequentemente se espanta com a capacidade de escrever o que não entende. Terá se espantado o primeiro pintor que desenhou o que não existe? Acreditamos ainda que os sonhos representam a realidade? Quantos pensamentos originais não se resumem à comutação "irreal" de fragmentos doutramaneira lógicos?

O mundo não está perproduzido, não está perfeito. Há ainda espaço para a criação.

Pelas beiradas

A questão de "por que se deve ter uma boa mente?" não é trivial, mas normativa. Encerra um estilo de vida que precisa ser comprado e defendido. A saúde, como toda virtude, nao justifica a si mesma: precisa ser incentivada. Os moralistas deste século parecem ter se esquecido dessa lição fundamental.

Querer parar

O ódio que sentia de si mesmo chegava-lhe à mente em língua estrangeira. Infelizmente era bilíngüe. Todo aprendizado inaugura formas novas de sofrer.

14 de março de 2018

Pensar com pincéis

Hoje já se fala da vida como obra de arte que compomos. Um avanço! Haverá dia em que consideraremos a vida como um pensamento que se cultiva. Mas até lá precisaremos aprender muito com os jardineiros e as crianças. (Até hoje, por exemplo, a maioria das pessoas crê que os pensamentos chegam à mente, como se pensar fosse um tipo de espera!).

O mundo não é de Deus o cavalete, mas a mente.

Vidas despensadas

A tragédia não está tanto em ter poucas horas disponíveis para o pensamento, mas em sistemática e intencionalmente remover o pensamento das horas de que dispomos. É preferível uma sociedade em que o pensamento tem direito a quinze calmos minutos (ainda que se trabalhe o resto do dia inteiro!) do que uma utópica sociedade de lazeres em que a vigília é toda divertida para longe do pensar. A esse sonho absurdo de nossa adolescência pré-envelhecida — cuja imaginação só comporta uma espécie de aposentadoria de welfare — devemos opor todo o nosso desprezo e nojo. Precisamos imaginar envelhecimentos melhores! Morramos cedo se necessário, mas não deixemos para pensar depois.

8 de março de 2018

Aviso contra a grandeza — e a pequenez

Suas palavras eram tão grandes quanto seu cavalete.

7 de março de 2018

Endo-mentando-se

Não tanto de desenvolver a capacidade, pois que ela já mora em nós, mas de tornar-se-lhe digno. Melhor dizendo: de afastar de nós toda limitação extrânea que nos foi um dia imposta e em seguida aceita. Isso significa retornar à fase em que não as aceitávamos, voltar a se identificar com a resistência, isto é, com aquilo que sofreu uma objeção, que foi obstado, parar de aceitar a limitação como natural e digna e "boa". O que nos limita nos mata. Reviver significa deslimitar. Afastar a crueldade com que nos diminuíram: ter gentileza para crescer.

6 de março de 2018

Foreign advice

Fear not slow progress nor false starts. Embrace stillness; avoid stoppage.

26 de fevereiro de 2018

Querido diário

Eu realmente não deveria ter comido tanta paçoca.

21 de fevereiro de 2018

No julgamento

Toda dor será... ridicularizada.

Solve et coagula

Desmancha e apodrece.

Apagando

De dor e de desgraça são feitas as tempestades da solidão. A enchente que vem apaga todas as labaredas do espírito. Apenas o breu sobrevive. Mas logo ele também ruirá. Apenas o silêncio sobrevive. Mas logo ele também gritará.

Ameaça interna

Abertura requer vacinas. Força é feita de coesão.

Amortecido

“Ele foi amortecido” — isto é: a Morte o tocou.

A escanteio

Quem se acostuma a ficar de lado periga definhar. Não somos plantas: precisamos ir até nossa água. A inação nos secará.

Eclipse da alma

Para tapar a luz requer-se objeto muito menor que a fonte luminosa e também muito menor que o alvo iluminado. Um simples galho é capaz de tapar um sol. Nós, seres de luz, precisamos de múltiplas lâmpadas, para reduzir a chance de sermos obscurecidos.

Tempestade em copo d’água

Aquele ali é ainda mais sozinho: sequer tem a própria companhia. De si mesmo é abandonado.

Murmúrio afogado

Gritar é uma capacidade. Quem não consegue se fazer perceber corre perigo de assozinhar-se permanentemente.

Desafiado, desapontado

Sem dentes — nem dentaduras.

20 de fevereiro de 2018

Auto-reptilização

Sozinho, congelou no próprio frio.

Inadotável

Nenhum pai o quereria. Não prestava sequer para odiar.

Sentimento-imóvel

Tristeza sabor inércia.

Ensimesmado

Merecia abandono e indiferença: fez por onde.

7 de fevereiro de 2018

Ódio fraternal

Fazer espetáculo da própria tristeza — isso é coisa de poetinha miserável!. Nós, filósofos, fazemos da nossa tristeza teoria. Não a transformamos em objeto para ser fruído, mas em lente com que se frui. Nada escapa às nossas distorções; tudo, tudo há de ser maculado pela tragédia das nossas entranhas. Com olhos sedentos de vingança invocamos nossa força como fosse elemento primordial de Gaia. Conhecemos nosso poder e nossa capacidade de persuasão: há séculos o mundo segue nossas pegadas tristes, pois o único ser mais burro que o filósofo é — — o povo. "Aquele que segue". Ratos de nossas flautas!

Ah, se ao menos soubéssemos usar nossas flautas para compor! mas não. Fungos que somos, não fazemos senão decompor. Somos os responsáveis por, pouco a pouco, destruir cada pedacinho luminoso da alma humana. Nosso "projeto"? Morte sublimada. Para que a humanidade floresça,

Nós, filósofos, precisamos morrer.

5 de fevereiro de 2018

(3) Trocando em miúdos

Liberdade maior exige criatividade maior.

Era da insuficiência

Deve-se acordar com um propósito. Banana Pancakes é um sonho juvenil de nossa geração presa em escritórios. Mas a fuga que não se torna propósito de vida — como a de um encarcerado ou de um escravo — só ajuda a manter preso. A liberdade é um valor instrumental. Ideia útil enquanto não a temos; uma vez atingida, torna-se mero cimento sobre o qual nossos pés se hão de equilibrar. Mas e nossos olhos — — enxergam o quê? Para onde se volta nosso pescoço? Descurvemos o coração, queridos amigos, e encontremos livros que de tão bons nos façam acordar com um sorriso na cara. O quê?, — não existem? Ora, mais um motivo para despertarmos: é hora de escrevê-los!

5 de janeiro de 2018

Analogia confusa

Fale de si na terceira pessoa — — do plural.

As partes de que eu sou feito não são eu. Assim como as infiltrações na parede de uma casa não são a casa.

Às vezes esse é o único consolo que temos. Uma parte de nós foi infiltrada. Mas nossa casa tem também uma lareira — aqueçamo-nos diante dela, ainda que as infiltrações requeiram cuidados.

Sim, dói. E há desprezo e auto-desprezo. Mas lembra: há também amor e amor-próprio. Encontra o carvão e espera o inverno passar.

4 de janeiro de 2018

Pêndulos

Lar e corpo: de onde se sai, para onde se volta.