27 de abril de 2018

Profecia pós-nuclear

Perecemos de inchaços vários. Morremos de febre em meio à neve; de fome, à obesidade; de nervosismo, aos opióides; de câncer, à medicina fina; de filosofia, à maior das bibliotecas. De excessos! — em meio à abundância. Como pode? Onde foi que começamos a sobredosar nossas virtudes e bálsamos? Por que nenhum de nós consegue parar? De que necessita essa geração — a minha! — tão doente? Ombreemo-nos, meus caros. Longo período de comparativa letargia, improdutividade, doloroso silêncio, há de vir — como contraste e consolo aos séculos XX e XXI de que agora padecemos. É preciso descansar. Diminuir inclusive a medicina, inclusive o cuidado, inclusive a nós mesmos; um verdadeiro ser menos nos espera. Uma grande compressa de gelo se há de aplicar no rosto da humanidade. Por décadas comporemos senão em acordes menores, parecendo tristes. Não. É que descansamos. Em nós se cultiva ainda a força do porvir, a calorosa chama de nossa natureza, o indizível sobreviver dos homens — ó, criatura violentamente sobrevivente. Inexoravelmente resistimos. Meteoro não nos mataria — de nós mesmos apenas nós somos os algozes. E que será de toda ciência, todo pensar, todo produto e subproduto da imensa atividade humana que nos cerca? Tudo há de perecer menos o que não o pode. Em outras palavras: tudo menos o que foi feito de calma, atomicamente resiliente, subscrita-no-eterno dedicação. Nós não somos tudo o que fazemos: somos o que de melhor fazemos. Julgamento não há: senão sobrevivência e perecimento. Alegria, música e amor. Poesia no caos. Noites sem dormir tentando pertencer ao panteão de nós mesmos. Muita vã adolescência, gasto e desgaste, muita célula morta da qual se desfazer há e haverá ainda. Sistema imunológico, linfático e nervoso ao mesmo tempo: cura, coleta de resíduos e vontade. Queria eu que doesse menos o remédio de que necessitamos. Estancar, tornicar, quedar-se febril, dormir dormir dormir dormir! Ombreemo-nos, meus caros. 

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