11 de dezembro de 2016

Montanhistas da saúde

Nem todo romantismo adolescente se baseia em inverdades. Deve-se olhar com compaixão ao garoto que à oportunidade de convalescença prefere arraigar-se nos seus sofridos porém conhecidos pesadelos. Não é que ignore o que sofre ou deseje a dor que sente; tampouco se esquiva de admitir-se doente. É que das profundezas de fato nascem alguns belos versos e resplandecem certos brilhos (que sob luz mais forte não medrariam). Também os olhos e os músculos da face acostumam-se ao franzir constante mas delicado que a meia-luz obriga — há sabedoria nessa testa! há agudez nessas pupilas!. Mesmo que se ressinta (isto é: que se apaixone pelo seu sofrer), nenhum tolo nega sua potência, pois tudo o que vive --- tem potência ------- e mais ainda o que sobrevive! O medo do romântico tem sua razão de ser. Os prazeres de que fala, ele os sentiu sim, não lhos neguemos. Consertemo-lhe apenas a falsa crença de que a luz elimina o que se podia ver na escuridão. Não só nossas cavernas nos farão companhia por toda a vida, mas lembremos que temos pálpebras — o órgão do descanso e o órgão da humildade: para os humanos, ver é sempre uma escolha. O ar daqui de cima te fará bem, meu caro, e eu prometo que o que aí embaixo te inspirou se encontra não em volta de ti, mas no teu interior; não o perderás, porque está sempre contigo. Aqui em cima, o único risco que corres é o de tornar-te quem és.

De tempos em tempos

A alegria arrebata.

9 de dezembro de 2016

Para os torcicolos da alma

O contrário de rigidez é carinho.

23 de novembro de 2016

Brevidade na desrazão

Um pequeno jejum — como uma pequena loucura — nunca fez mal a um pensador. O risco que os religiosos correm é o de tomar asco da comida, isto é, de acreditarem em seu jejum.

Receita para ser filósofo

2. Caminhar.

Bobeira

Escrever sobre os acertos é um luxo. A maioria dos escritores só escreve quando erra.

Por onde voa Dionísio

Escrevemos bêbados o que deveríamos ter feito sóbrios.

Sem explicitações

Nada mais desnecessário do que conectar duas orações cujas bocas já se beijam. É importante que as frases respirem, para que transem.

22 de novembro de 2016

Pontes de palavras

Chega-se a lugares novos por meio de saltos. Para que esses lugares não se tornem ilhas de solidão, é sábio construir pontes. Elas permitem que retrilhemos os nossos caminhos — mesmo os mais difíceis! — ainda que estejamos cansados. Fica também muito mais fácil compartilhá-los. Meus textos são o melhor mapa de mim.

Para que nossos futuros nos herdem melhor

A escrita de si para si é uma auto-educação à distância. Nenhuma contradição aqui: de nós mesmos somos com frequência os mais distantes.

Paradoxo da pequenez

Nem toda convalescença é sinal de saúde.

As vítimas do silêncio

Alguns silêncios não se quebram nem sob tortura; isso é sabedoria popular. Difícil é saber quem é o torturado.

10 de outubro de 2016

O poeta alter-erótico

Pelos outros apenas na superfície: todos os túneis levam ao ego.

3 de outubro de 2016

Entrar e sair

Ao amor precede-se um mergulho e sucede-se um vômito.

Bem-aventurada simplificação

A saúde poética é feita de dois verbos: chacoalhar-se e rir-se.

Consolo para os que se sentem improdutivos

Mesmo o poeta que escreveu cinco mil poesias precisou de cinco mil dias para vivê-las — antes que as pudesse escrever.

Os pré-requisitos do prazer

Querendo dançar, criou a própria música.

Para a liberdade um treino

A criança protegida de seus próprios erros comete-os em demasia quando, adulta, desconstrange-se de suas antigas correntes. 

Escrever para se limpar

Poucas coisas são mais tristes, para o poeta, do que ver a sua energia criativa sendo drenada para mesquinharias miseráveis. Fazer o quê: um ralo entupido precisa de um jato forte de água.

A felicidade como armadilha

O dom da resiliência não foi distribuído a todos na Criação. Aqueles de quem os escudos do Não foram subtraídos precisam se precaver inclusive na alegria — sob pena de confundir o sentimento de grandeza com o de invencibilidade. A destemidez precisa ser acompanhada de auto-respeito — para que as armas da potência não mirem os próprios pés.

8 de agosto de 2016

Um idiota no deserto

Desesperado de sede, cuspiu pra cima e fechou os olhos. 

7 de agosto de 2016

As renúncias cobram juros

Exercitar a força não cansa; pelo contrário, revigora. Os cansados são sempre fracos. 

17 de julho de 2016

Uma criança

A conclusão óbvia ao se deparar com quem se sente atacado por uma crítica é que se trata de alguém que nunca foi alvo de uma auto-crítica.

12 de julho de 2016

A defensividade é um narcisismo

Meça a alma pela quantidade de defesas que a habitam. Quanto menos, maior.

29 de abril de 2016

Universalidade de cada pedacinho

Nem todos os textos são metáforas, mas todos são metonímias.

5 de abril de 2016

Mesmo os deuses oram

Há coisas que um escritor não consegue fazer. É aí que entram os amigos.

20 de março de 2016

Os que desmancham

Após uma discussão intensa com alguém que se ama, existe um momento de muita clareza que merece ser melhor estudado. Nele, as faculdades mentais se afiam e o turbilhão de emoções que antes nos envolvia dá lugar a uma desesperança quase-cínica. A desesperança sanitiza o pensamento, rompendo o funcionamento utilitarista típico, e obriga-nos a uma sinceridade desinteressada em qualquer coisa que não em si mesma. Nossos amores, afinal, crêem-se sinceros e, quando ameaçados, procurarão a sinceridade que lhes deu origem como se a própria existência deles dependesse disso — e depende. A sinceridade precede o amor. Quando se esgota as possibilidades de tratar os nossos objetos de interesse — um relacionamento, um amor, uma amizade, um emprego — como meros objetos, passa-se à análise do sujeito, isto é, de si próprio. Se houver coragem, os cálculos de risco-e-recompensa terão aí se desligado, sobrando em nós apenas o compromisso autêntico com a verdade. Já não se tratará de ganhar uma discussão ou tampouco de maquinar contra si uma narrativa perdoadora ou tranquilizante. Não se tem mais como objetivo livrar — nem a si nem ao outro — dos piores julgamentos, das piores valorações. Morrem os salvadores e os mártires. Fica a liberdade — de julgar(-se), de odiar(-se), de matar(-se). Desobrigado do orgulho e da vergonha, nasce um eu mais profundo, mais digno e mais certeiro. Pode haver raiva, ressentimento, medo e insegurança, mas uma vez nesse estágio de clareza esses sentimentos já não balançam nem perfuram. As frases ditas e ouvidas ecoam nas paredes cavernosas de nossa interioridade, adquirindo o peso devido ou sumindo-se na irrelevância. Defrontamo-nos com as chamadas "verdades duras" do que nos foi dito e avaliamos, com cada centésimo de nossa força mental, o quanto são relevantes, por quê, e o que faltou-se dizer. Reformulamos a imagem que temos de nós mesmos, a fim de incorporar as novas informações e relacioná-las às anteriores. Podem ter-nos dito, por exemplo, que havia frieza no nosso olhar e que isso denotava falta de respeito. A reformulação de si que eu estou descrevendo não consiste em adicionar ao currículo da vida — isto é, àquilo que se entrega aos outros quando deles se deseja algo — uma etiqueta cautelar: 'Frio e desrespeitoso'. Tal coisa seria uma narrativa aviltante e orgulhosa da própria ruindade. Mais provável é que a introspecção de que falo resulte na descoberta de que aqueles olhares moribundos significavam, não um desinteresse desrespeitoso, mas uma inveja coberta de vergonha que, como a criança, para não ser vista tapa os próprios olhos. A descoberta de um tal sentimento enterrado, juntamente dos motivos de seu enterramento, há de reconfigurar o evento referido e também outros, passados e futuros. Informado, agora, da própria inveja, abre-se o caminho possível para uma conversa entre dois adultos, em que se revele aquilo que antes não se podia revelar. Eu tinha inveja de ti, e preciso que me perdoes. Meus olhos foscos não eram senão de medo de ser descoberto. Não pense, tampouco, que uma investigação como essa resulte sempre em descoberta dolorosa e auto-combativa: igualmente comuns são as descobertas da própria inocência e até mesmo da própria força — além, é claro, da descoberta das falhas no outro, de suas insuficiências e de sua humanidade. Sim, as brigas de relacionamento são capazes de desencadear maratonas pensamentosas como essa e não é preciso dizer o quanto nesses momentos se aprende. Não conseguimos, porém, manter funcionamento de tão alta octanagem o tempo todo. Em geral, necessitamos de urgência e traumas. É tarefa do escritor propiciar reflexões como essa, reconfigurar os sujeitos que lêem, desaliviá-los de qualquer insinceridade. Devemos ser como as ex-namoradas: cruéis e indiferentes. E também como os pais: carinhosos e firmes. E como os amigos: presentes e alegres. Crescer inclui quantidades nada agradáveis de sofrimento. Responsabilizamo-nos não só por fazer crescer, mas também por incutir amor pelo crescimento. De nada adianta fazer um garoto crescer 10 anos em 1, se durante os próximos 20 ele ficar paralisado. Desesperança em demasia, afinal, paralisa e mata. Caminhemos, meus amigos. Escrevamos. Cresçamos. 

Apenas os destinos retilíneos são previsíveis

Nosso caminho é feito pelas curvas que escolhemos tomar, mas não podemos enxergar o que há além das curvas.

Perseverança

A quantidade de solidão de que precisamos é sempre um pouco maior do que a que cremos ser capazes de suportar. 

Conselho de escritor

É a coragem, e não o amor, que preencherá os vazios do teu coração.

5 de fevereiro de 2016

Escrever sem bússola!

Nada contra quem escreve mau. O problema sempre foi quem escreve bom.

Merecemos piada melhor

O cientista torna-se filósofo quando se cansa da verdade.

As três virtudes de uma faca

O brilho, a ponta e o fio.

Após o crepúsculo

O vale do cinismo é o mais tenebroso e escuro dos obstáculos separando os homens de Deus.

O poeta e sua prece

À tarde chorar, para à noite escrever.

Reino dos maus

Ser bom ficará mais e mais difícil, pois a bondade foi inventada para servir de teste domesticador. Termômetros da justiça, só os divinos! Na terra, são os homens contra os sentimentos.

Os infernos aonde a coragem nos leva

Desconfie de quem escreve com a consciência tranqüila.

Afetos no deserto

Quando se atravessa uma tempestade de areia, é normal lacrimejar.