27 de janeiro de 2017

Paciência, pero no mucho!

A depressão não é causa de não viver, mas antes sintoma de vida não vivida! Ah, perdoa a tolice do poeta: querem rugir e urgir, esses deprimidos, mas só conseguem mugir.

23 de janeiro de 2017

Prece tardia

Fazer-se é labuta diária. Anos, décadas!, passaste acumulando vermes e vícios dentro de ti — crês que em um súbito livro, um súbito amor, súbita dieta, recuperas-te assim impunemente? Teu sofrimento foi criado; criada também deve ser tua alegria. Construída, bloco a bloco, como tudo o mais. Engenheiros da alma somos nós! E sim, meu caro, teu edifício desmoronará e repetidas vezes cairás, como que de volta à estaca zero. Mas lembra-te de que nunca caímos no mesmo lugar do qual saltáramos, pois heraclitianos somos nós e rápido é o rio em que nos banhamos. Esquenta-te por dentro com tuas memórias e consola-te com as pequenas vitórias. Sê caridoso com tuas falhas de homem, posto que és homem e homens falham. Ama-te como às belas palavras és capaz de amar — transforma-te em palavra se necessário for! — usa e abusa da segunda pessoa pra falar de ti mesmo, como se fosses dois e não um, pois em realidade és dois mesmo, três até, infinitos eus és: Zeus és. Faz a alma cantar e nina-te como deverias ter sido ninado. Respeita o que de criança guardas em ti e brinca, sempre que possível, para que não padeças da tua seriedade, que é contagiosa e perigosa. Dá aos amigos a graça e enxerga neles beleza quando a visão deles se nublar: sê para eles o que para ti mesmo um dia serás (pai e professor, guia e exemplo, inspiração e consolo). Corre e pula, como cão ingênuo fosses, porque dos ingênuos é o reino de deus. Observa as árvores e as pessoas, encarna-te em ti mesmo como se a cada dia renascesses. Deseja teu corpo como teu corpo deseja outros corpos. Pensa, mesmo que demasiado, cuidando para não acumular vergonha, pois a cabeça é lugar difícil de aspirar sujeiras assim. Senta e descansa de vez em quando, mas sempre um pouco menos do que for preciso, pois urge viver e dói mais o tédio do que o cansaço. Escreve, tu que és íntimo da pena, porque quando escreves te aumentas e tu por tempo demais te fizeste pequeno. Dá-me a mão e chora, chora tudo o que quiseres, abre espaço para as lágrimas como fazem os súditos ao rei — e as degola quando forem tiranas, como fazem os súditos ao rei. Ri de ti mesmo quando acreditares em besteiras, porque é de besteiras que se vive, ora acreditando ora superando, e chacoalha-te sem nojo nem arrependimento daquilo que antes ridiculamente trajavas: pois ridículos todos somos e é apesar de sermos ridículos que somos grandes (tudo que é grande é um pouco ridículo e um pouco patético). Não te incomodes tanto com o que não consegues dizer, porque a mudez também tem seu tempo e seu porquê e é ao seu modo também bela. Sobretudo respira e deixa entrar o mundo em ti, sem medo, para que possas finalmente pertencer, sem contudo enrijecer. Queima e vive! Ama e chora. Dá e recebe. Amém.

22 de janeiro de 2017

Clara apologia

O motivo pelo qual tenho acordado de tão bom humor é que tenho sonhado. Coisa estranha aconteceu à minha amiga, que comigo experimentou a melatonina: teve pesadelos, horríveis pesadelos, e se arraivou de mim quando lhe contei que era esse um dos efeitos, e afinal motivos, da substância. Ocorre ser a melatonina, diferentemente de alguns remédios, não uma fuga mas o seu contrário: ajuda ela a não fugir dos sonhos (e, sim, também pesadelos), portanto, a não fugir de si. Com isso recebo ajuda para ir ao meu encontro. A melatonina é o meu óleo de coco.

Mulher ou poesia

Tão bela que ele se esqueceu do próprio cinismo.

21 de janeiro de 2017

Fala a alma de artista

Quase todos olham o mundo e o acham feio. Isso resulta de não o olharem como se fosse uma criação em movimento, mas uma criatura pronta. Esquecem que os deuses somos nós e a responsabilidade por criar beleza é nossa — apenas nossa. E nós não somos artistas impotentes. Nosso pincel é nosso olhar, e o mundo que vemos (isto é: que criamos) é belo. 

De primeira ordem

Há que se escrever coisas bonitas.

16 de janeiro de 2017

Duas galáxias conversam

"Sobretudo de mim mesmo protejo os outros. Do meu fogo basta que se queime um."

"Mas eu amo o teu fogo — quem não se queima não vive. Não confias na minha capacidade de sobreviver? Ora, achas-te tão maior que eu assim? Como poderei compartilhar contigo o que me dói, se nem a ti mesmo pareces aguentar?"

"Não nascemos para o fogo, querida. Poupo-te assim. Soframos menos."

"Claramente não entendes do sofrer. Vive e queima! — assim dita meu evangelho. Na vida não tenho medo senão de me acinzentar — nada que é vermelho me enfraquece. Acaso pensas que te amo as partes apagadas? Queima comigo, meu amor! É tudo que te peço. Do mundo faremos gloriosa fogueira."

"Tinha razão o sábio: diamante e carvão não se dão — pois embora os dois brilhem, só um sobrevive à combustão."

"Sinto muito. Vou."

"Eu mais ainda. Vai."

Gatunos na dor e no amor

As garras mais afiadas são retráteis. Duas lições há aí: primeira— mansidão é algo que se finge; segunda— arranhadores ferozes também acariciam.

13 de janeiro de 2017

Advinhar o mundo

Cartomantes do destino somos nós. Tecelões da realidade, costurando impressões — preguiçosamente curiosos somos nós, dos deuses roubando ~ aos homens e-levando. Poetas somos nós!, urubuzando os cientistas, apenas o suficiente para satisfazer-nos a alma. Filósofos somos nós, da barriga pensadores, ar negro expiramos conforme filtramos os brilhos — ex-cegos somos nós!, acavernados em nossa pequenez, de sombras gigantes os ventríloquos; em tudo bruxos, a tudo feitiços. Nossa incompreentude é nossa tolice favorita. Mas que seriam os grandes homens — sem nossa diversão?

Lição de a anos-luz

Não se preocupe com o brilho. Para ser estrela é preciso em primeiro lugar que exploda.

Caridoso com as próprias violências

Não sejamos duplamente maldosos: nós, que somos maus por natureza, devemos — em nome da bondade! — preservar nossa maldade. Amá-la! Com isso incentivamos a bondade nos bons, pois tudo que é fiel à sua natureza aumenta a esperança no mundo, mesmo quando pareça destrui-lo.
Melhor dizendo: mesmo quando o destrua.

Quando um mau censura a própria maldade, duas maldades foram cometidas. Fazer tanto o bem quanto o mal — sem censura! Essa é a nossa receita para um mundo que padece de insinceridade.
Melhor dizendo: essa é a nossa receita para um mundo que padece.

6 de janeiro de 2017

Os céus do espírito

Palavras são como nuvens: podem até ser belas, mas no geral obscurecem