28 de dezembro de 2015

Os homens podem se consolar com o fato de não serem fracos como eu

10 de dezembro de 2015

5 de dezembro de 2015

estágios iniciais do exorcismo

mora um suicida em mim
eu queria só
que ele se matasse
e me deixasse viver
em paz

30 de novembro de 2015

A metáfora de Sócrates

Em tempos de repressão, pouquíssimos são os sentimentos que assumem a sua primariedade. A tristeza, para dar o exemplo, não "apenas vem" ou "sai", como deseja o poeta otimista, mas ela precisa efetivamente ser movida para fora, incentivada, aceita, fomentada, cultivada. Os sentimentos são produzidos, mesmo aqueles que já nos habitam: senti-los envolve um processo. O chefe do jornal dos nossos sentimentos em cada um tem diferentes sensibilidades editoriais e de diferentes sentimentos permite a vazão, a expressão — não raro seguindo uma agenda, política como tudo o mais, igualzinho aos jornalecos que se vê por aí. Há muito trabalho a fazer se quisermos ser como cientistas ou até mesmo como artistas — nesse ramo de editoria subjetiva. Nossos amigos precisam de nós e de nossas mãos para recebê-los: eles não nos preexistem, afinal: nós que os criamos! A maior caridade é receber a tristeza do outro, agraciá-la com nossa atenção e corajosamente dar-lhe o espaço que ela merece: e não aquele que nossos editores acham que ela merece. Editores são bichos-papões em todo lugar. Resistamos. Os homens, para nascer, precisam ser paridos. Também assim é a liberdade de sentir. Somos deuses, com o poder de criar, nos outros e em nós mesmos, mundos que o mundo nunca viu antes.

24 de novembro de 2015

Coração

O coração perfurado bombeou a última vitalidade
Morreu de tédio quarenta anos depois
Não conseguia abrir os olhos porque os olhos da alma quem abre é o coração
Mas coração perfurado não tem alma e morre

21 de novembro de 2015

Saúde como comunicação

O contrário de depressão é contato.

9 de novembro de 2015

Ambiguidade existencial

A ânsia de viver de um escritor produz poderosos consolos — muitas vezes contra a vontade dele!

7 de novembro de 2015

Moral do Anarquista

Entre duas ditaduras · não se escolhe.

10 de outubro de 2015

Canção de vida e morte

Nós, espíritos primaverais, temos muito o que aprender com nossas amigas flores. Não tanto a abrir, pois a isso somos todos naturalmente inclinados, mas sobretudo a fechar — com leve e graciosa indiferença, não por não ser terrível o destino de quem nunca mais abre (é), mas pela calma de saber que abrir não é uma escolha. Nossa maior neurose não é a de querer pôr fim aos sofrimentos, mas a de querer dar início às potências. Quanto mais romântico, nesse sentido, tanto mais doente.

Não somos nós os autores de nossos prazeres. Nossas mais belas composições são menos atos de canalização de força do que de permeabilização ao que nos é externo. Aqui, como em todo lugar, assombra-nos o espectro do indivíduo. Pura ilusão. Na natureza não há indivíduos; no máximo, há contornos.

Querer menos, desejar mais. Diminuir o atrito interno. Hibernar com devoção, entregar-se à incerteza.

Quantos conselhos em linguagem de esfinge não deixaremos para o futuro? De nós esperamos apenas que cresçamos. As maiores notas de suicídio foram as que nossos eus do passado deixaram para nós — nós, herdeiros; eles, mártires. Continuamente morremos ao parir a nós mesmos. A cada dia um novo sol nos espera. Muitas auroras ainda estão por vir, e serão nossas alegrias que as desfrutarão, sentadas na praia ou no topo da montanha. Nossas tristezas e nosso cansaço pertencem ao eclipse vindouro: cairão, enfim, em desgosto. 

Morreremos ainda cem mil vezes, e tantas vezes mais renasceremos. A fênix que em nós faz lar brilha sempre mais forte, e a cada morte se incandesce ainda mais. O que não mata, fortalece? Precisamente a morte — a nossa morte! — torna-nos mais fortes, torna-nos quem somos. Essa dualidade de si — de sermos ao mesmo tempo filhos e pais de nós mesmos, ao mesmo tempo fetos nascituros e idosos suicidas — explica a variância estilística na prosa e o diálogo interno na filosofia. Somos dois. Um a morrer, outro a nascer.

Com que caneta escreveremos o futuro? Com que braços ninaremos nossas crianças? Com quantas poesias se ganha uma guerra?

Temos muito o que aprender com nossas amigas flores.

3 de outubro de 2015

A mais potente fé

A razão é o maior mito que a humanidade já inventou.

1 de outubro de 2015

Por amor ao mundo

De todas as artes o teatro é a mais dada ao choro. Nele a solidão é impossível, pois mesmo o espectador solitário se confronta com a carne-e-osso no palco à frente. A poesia, ao contrário, permite e até encoraja a solidão, e por isso exige uma música interna adequada, um silêncio mental cavernoso, capaz de ecoar as rimas e de dar profundidade aos sons. O teatro não. No teatro, a caverna se impõe de fora pra dentro, destrói os barulhos internos, impera autoritária sobre qualquer que seja o concerto dos órgãos, rouba-lhes as batidas ruidosas para em seu lugar colocar gloriosas cordas de harpa — com as quais os anjos-atriz produzirão celestial melodia. 

Assim foi meu encontro hoje com Hannah. Um confronto lacrimejoso, entristecido; sobretudo desentorpecido. Não havia dorflex que me impedisse de, olhando-a nos olhos, sentir-lhe a companhia. Ela, mulher, amante, pensadora, atriz, judia, filósofa, musa, singela. Atacava-me com as palavras, furando minha tristeza, alimentando-me de humanidade. Nunca fui tão judeu quanto defronte dela. Tornou-me homem ela, pegou-me pelo braço e me ensinou a coragem que dormia em mim, sempre dormiu. Não há monstros nos outros, ela diz, em franca oposição aos corações de todos em sua volta. Nossos monstros são nossas mediocridades. Nossas banalidades, nossas fraquezas. Um grito de vida e de esperança procurando —não: exigindo! — grandeza. Nossa grandeza. 

Com a pequenez da minha hombridade judia contrastava a grandiosidade da estória do meu povo. Não, não o meu povo judeu, que nunca me pertenceu nem me deixou pertencer. O povo-verdade, povo ensimesmado, povo vivo. Sorriso de criança. De amor e de esperança a terra se adensa. Nosso sofrimento é nosso adubo. Nossas artes, nossas folhas. Por que o teatro faz tanto chorar? Porque, embora não sejamos todos poetas nem músicos, somos todos atores no palco da vida. E a amizade de que tanto carecemos não é senão sorriso de atriz. Ela, que chora com o teu choro, te ama como às estrelas os gregos. Fazer teatro é fazer do próprio corpo um grande ombro no qual os homens chorem. O teatro é uma mulher! Seu nome é Hannah e a ela não podemos senão amar.

Arquitetura do afeto

De boas memórias os lugares se tornam confortáveis.

29 de setembro de 2015

A fraqueza dos homens

O que nos aflige no sexo não é o sexo, mas a sombra do amor.

28 de setembro de 2015

Amor-poema em língua estrangeira

Às vezes a beleza de um amor não está nos significados das palavras, mas nos sons que suas rimas produzem. Nesses casos, é comum que o poema seja tanto mais belo quanto menos se o compreende.

Porque, se parardes pra pensar, sois

Amai como se fôsseis fogo: com cor, brilho e barulho!

Sonecas do espírito

Que o descanso te cure das impotências —— e vice-versa!

As marcas nas nossas paredes

É um fato inconveniente que nossas opiniões, em sua maioria, sejam formadas em grupo. Nossa época carece de histórias opiniantes mais íntimas, e portanto mais individuais, para fazer frente a esse indecente mimetismo. Teríamos muito a ganhar com recorrentes décadas sabáticas na caverna — só assim poderão nossas pinturas rupestres ganhar a vermelhidão profunda que caracteriza os conhecimentos de sangue. Até lá, nossa ciência permanecerá neandertal.

Na dor, mas não pela dor

Algumas potências se escondem em arbustos espinhosos. Não devemos, por causa disso, amar os espinhos.

Duas paixões do encontro

Às vezes encontramos na do outro ecos da nossa própria voz. Disso pode resultar encanto soberano ou desprezo asqueroso. Não espanta, então, que o artista relate alegrar-se. E o burocrata, ofender-se.

Amigo metereólogo

Na vida dos outros, há vezes em que somos brisa. Noutras, vendaval.

Parindo adultos

Nem todo leão esconde atrás de si uma criança. A nós, cirurgiões da alma, cabe abrir-lhes a barriga e descobrir. Não à toa nos pagam tanto: o risco é alto, mas, quando bem sucedida a operação, o paciente sai outra pessoa.

Educação religiosa

É sempre melhor dialogar com si mesmo do que recriminar-se. Somos, afinal, nossos próprios filhos.

Em adição às potências anteriores, não substituição

No reino do não, aprende-se o sim almejando liberdade — evitemos novas ditaduras, de onde quer que venham. 

Novos mundos exigem novas defesas

Quem foi criado na privação precisa ter muito cuidado com a abundância. Falta-lhes a melanina com que se filtra as alegrias solares —; entre os albinos de afeto, qualquer carinho pode se tornar queimadura.

18 de setembro de 2015

Ofender-se é humano

Nada é ofensivo aos olhos de Deus.

29 de julho de 2015

Sofrimentos são hiatos vacinantes

Mais raro que uma boa solidão — só uma boa companhia.

13 de julho de 2015

Engenheiros-andarilhos

Criar pontes — e atravessá-las.

12 de julho de 2015

O princípio da educação

Tomar decisões corretas não basta. É preciso criar sistemas que tomem decisões cada vez mais corretas com o tempo.

25 de junho de 2015

16 de junho de 2015

Previsão dos tempos

A raiva bem gritada é virtuosa. Esvai-se, como tudo o mais que é vivo e pulsante, ao atingir seu fim. A raiva, como o gozo, só adoece quando contida — e mal contida. Pois para a vida nunca há contenção de fato, apenas adoecimento. O não direcionamento da raiva é antes um mal direcionamento. A raiva não gritada é antes mal gritada. E a tragédia é termos sido, para a raiva, educados nos mais castrantes seminários! De nosso celibato cavernoso medram nuvens de cinismo! Para expôr ao sol o coração, é preciso abrir o peito — rasgá-lo! — e aí não temos senão dentes e garras.

Casamento (arranjado) de conceitos

Para os que, como nós, sofrem de ansiar demais, é questão de bom senso cultivar uma modesta indiferença às nossas ansiedades.

15 de junho de 2015

É possível ser feliz na chuva?

Sim, mas para isso é preciso abrir mão da secura. Recomenda-se, para acelerar a adaptação, banhar-se de poesia.

Saudável (no) ócio

Às vezes é preciso amar antes da hora. Amar o que não se conhece, o que ainda não veio, o que pra sempre está no futuro. Para isso é preciso muita força e saúde. Mas a recompensa é grande: o próprio amor. Porque o amor sempre volta.

8 de junho de 2015

Péssimo ator

Não sabe sorrir, chora com os dentes.

4 de junho de 2015

Navegar é preciso, desprazer não é preciso

É fundamental ter mecanismos para tirar prazer da tristeza e da solidão.

3 de junho de 2015

Todos os nãos o não

O dia mais triste da minha vida foi quando me despedi do meu amor... e não chorei.

24 de maio de 2015

Feixe de universais

Nem só de palavras são feitas poesias.

21 de maio de 2015

17 de maio de 2015

Lição para quando nos impotencermos

Mesmo um torturando tem poder, se for ainda capaz de rir-se de seus algozes.

Ineficiência intra-orgânica

Aquele ali não voa, apesar de esbeltamente alado. Ocorre lhe faltarem pernas, sem as quais o seu furioso bater de asas não é senão um desengonçado arrastar-se na lama.

Imperativo dos imperativos

Encontrai força lá onde é mais escuro: em vossa solidão.

13 de maio de 2015

Adequação ao uso

Um molotov de aguardente queima tanto quanto um de bordeaux.

12 de maio de 2015

Sabotagem

Nossos sentimentos são soberanos. Se os quisermos depôr, será preciso mais que um pouco de anarquia.

10 de maio de 2015

Saborosamente definicional

Pode um compêndio lexical ser pedaço de literatura? Pois que tenhais duas definições, tão incompletas quanto incompatíveis, distantes entre si como a barba marrom de um homem é de sua fidelidade amorosa:

Um livro é um esforco de coerência.
Opressão é vetor de violencia sistêmica.

Todo homem é um dicionário.

5 de maio de 2015

Meia dúzia

O que fazer quando longas covardias são detectadas? 

Não se pode fazer muito. Meia dúzia de decisões artificiais com resultado previsível devem bastar. Uma dieta, uma ginástica, um exercício respiratório, uma música, um banho e um cochilo. 

Não se pode fazer muito. Meia dúzia de reflexões nostálgicas sobre a sabedoria do passado devem bastar. Uma carta, uma composição musical, um sonho, um livro, um cheiro e uma caminhada.

Não se pode fazer muito. Meia dúzia de textos curtos de média qualidade devem bastar. Um poema de amor, uma crônica de solidão, uma máxima de filosofia, um imperativo de ética, uma linha de diário e uma anotação de sonho. 

Não se pode fazer muito. Meia dúzia de olhares sinceros na direção do sol devem bastar. Para frente, para frente, para frente, para frente, para frente e para dentro. 

Não se pode fazer muito.

4 de maio de 2015

Outra obviedade a posteriori

Nem tudo que se faz por amor é amável.

27 de abril de 2015

Cola de maresia para os pacientes alegres

Fato importante sobre as esperas: acabam. 

16 de abril de 2015

Prece

Que do cansaço nasça o vigor assim como da tristeza a poesia.

27 de março de 2015

Contra os cientistas de helicóptero!

Sobre o mar conhece mais quem em suas águas mergulhou uma única vez do que aquele que todo dia as sobrevoa.

24 de março de 2015

Avante!

Todos os que na vida já quiseram voltar atrás sabem o que é covardia filosófica: o medo de pensar a partir do presente.

23 de março de 2015

"Post hoc ergo propter hoc"

Khrónos é o mais vaidoso dos gregos: de todas as causas assume a paternidade. Chegou até a aprender latim, para figurar nos grandes livros de filosofia.

Não lhes dêmos ouvidos: a natureza é muito mais sutil e misteriosa do que esse gigante ultrapassado nos faz crer. Gaia, afinal, é uma mulher.

Sorrindo nos momentos inapropriados

Às vezes a saúde precisa de um empurrãozinho.

6 de março de 2015

A última fronteira do conhecimento

Em comparação com outros empreendimentos intelectuais — digamos, mapear a genealogia de uma montanha ou rastrear os ricochetes subatômicos de uma explosão nuclear —, amar uma mulher traz as mais maravilhosas recompensas e as mais miseráveis punições. De fato, o cientista que sobrevive a uma paixão dificilmente volta a encontrar desafio ou felicidade em sua carreira: sente ele que os maiores buracos negros já se explodiram, as maiores pontes já se atravessou, a vida mais morta já se ressuscitou. Nada lhe parece digno de sua energia ou capacidade, nada na natureza o espanta, nenhum mistério lhe provoca sequer faisca de curiosidade.

Nada, isto é, senão sua solidão.

Dêem ouvidos ao ex-deprimido!

É plenamente possível ser medíocre sem a ajuda de remédios.

11 de fevereiro de 2015

Nossas maiores prisões, construímo-las nós

Em nenhuma outra circunstância as pegadas da deliberação e intencionalidade são tão bem escondidas quanto no início de uma paixão. Conforme a paixão míngüa e a energia mantenedora desse escondimento se dissipa, o apaixonado, agora mais velho e mais maduro, sente-se traído quando começa a descobrir essas pegadas, quando começa a descobrir que fora tudo um plano — seu plano.

10 de fevereiro de 2015

Humanos e suas contraições

Das maiores mentiras a fidelidade é mãe.

Como bons filhos de Heráclio

As pessoas que éramos no passado não têm nenhuma responsabilidade sobre quem somos hoje: elas não nos "criaram" nem "pariram", elas não nos fizeram nada! Nós que lhes fizemos algo: nós as matamos! Somos carrascos, não filhos. Ou será isso que significa -- ser filho?

O passado é feito de cadáveres

O único verbo para a saudade é morrer.

9 de fevereiro de 2015

Romantismo de bobeira

O sangue de uma picada de mosquito é tão vermelho quanto o de um corte de espada.

Imprudência, não honra

O escritor que não protege o coração é como um costureiro sem dedal: machucar-se é questão de tempo.