1 de outubro de 2015

Por amor ao mundo

De todas as artes o teatro é a mais dada ao choro. Nele a solidão é impossível, pois mesmo o espectador solitário se confronta com a carne-e-osso no palco à frente. A poesia, ao contrário, permite e até encoraja a solidão, e por isso exige uma música interna adequada, um silêncio mental cavernoso, capaz de ecoar as rimas e de dar profundidade aos sons. O teatro não. No teatro, a caverna se impõe de fora pra dentro, destrói os barulhos internos, impera autoritária sobre qualquer que seja o concerto dos órgãos, rouba-lhes as batidas ruidosas para em seu lugar colocar gloriosas cordas de harpa — com as quais os anjos-atriz produzirão celestial melodia. 

Assim foi meu encontro hoje com Hannah. Um confronto lacrimejoso, entristecido; sobretudo desentorpecido. Não havia dorflex que me impedisse de, olhando-a nos olhos, sentir-lhe a companhia. Ela, mulher, amante, pensadora, atriz, judia, filósofa, musa, singela. Atacava-me com as palavras, furando minha tristeza, alimentando-me de humanidade. Nunca fui tão judeu quanto defronte dela. Tornou-me homem ela, pegou-me pelo braço e me ensinou a coragem que dormia em mim, sempre dormiu. Não há monstros nos outros, ela diz, em franca oposição aos corações de todos em sua volta. Nossos monstros são nossas mediocridades. Nossas banalidades, nossas fraquezas. Um grito de vida e de esperança procurando —não: exigindo! — grandeza. Nossa grandeza. 

Com a pequenez da minha hombridade judia contrastava a grandiosidade da estória do meu povo. Não, não o meu povo judeu, que nunca me pertenceu nem me deixou pertencer. O povo-verdade, povo ensimesmado, povo vivo. Sorriso de criança. De amor e de esperança a terra se adensa. Nosso sofrimento é nosso adubo. Nossas artes, nossas folhas. Por que o teatro faz tanto chorar? Porque, embora não sejamos todos poetas nem músicos, somos todos atores no palco da vida. E a amizade de que tanto carecemos não é senão sorriso de atriz. Ela, que chora com o teu choro, te ama como às estrelas os gregos. Fazer teatro é fazer do próprio corpo um grande ombro no qual os homens chorem. O teatro é uma mulher! Seu nome é Hannah e a ela não podemos senão amar.

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