Não somos nós os autores de nossos prazeres. Nossas mais belas composições são menos atos de canalização de força do que de permeabilização ao que nos é externo. Aqui, como em todo lugar, assombra-nos o espectro do indivíduo. Pura ilusão. Na natureza não há indivíduos; no máximo, há contornos.
Querer menos, desejar mais. Diminuir o atrito interno. Hibernar com devoção, entregar-se à incerteza.
Quantos conselhos em linguagem de esfinge não deixaremos para o futuro? De nós esperamos apenas que cresçamos. As maiores notas de suicídio foram as que nossos eus do passado deixaram para nós — nós, herdeiros; eles, mártires. Continuamente morremos ao parir a nós mesmos. A cada dia um novo sol nos espera. Muitas auroras ainda estão por vir, e serão nossas alegrias que as desfrutarão, sentadas na praia ou no topo da montanha. Nossas tristezas e nosso cansaço pertencem ao eclipse vindouro: cairão, enfim, em desgosto.
Morreremos ainda cem mil vezes, e tantas vezes mais renasceremos. A fênix que em nós faz lar brilha sempre mais forte, e a cada morte se incandesce ainda mais. O que não mata, fortalece? Precisamente a morte — a nossa morte! — torna-nos mais fortes, torna-nos quem somos. Essa dualidade de si — de sermos ao mesmo tempo filhos e pais de nós mesmos, ao mesmo tempo fetos nascituros e idosos suicidas — explica a variância estilística na prosa e o diálogo interno na filosofia. Somos dois. Um a morrer, outro a nascer.
Com que caneta escreveremos o futuro? Com que braços ninaremos nossas crianças? Com quantas poesias se ganha uma guerra?
Temos muito o que aprender com nossas amigas flores.
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