30 de novembro de 2015

A metáfora de Sócrates

Em tempos de repressão, pouquíssimos são os sentimentos que assumem a sua primariedade. A tristeza, para dar o exemplo, não "apenas vem" ou "sai", como deseja o poeta otimista, mas ela precisa efetivamente ser movida para fora, incentivada, aceita, fomentada, cultivada. Os sentimentos são produzidos, mesmo aqueles que já nos habitam: senti-los envolve um processo. O chefe do jornal dos nossos sentimentos em cada um tem diferentes sensibilidades editoriais e de diferentes sentimentos permite a vazão, a expressão — não raro seguindo uma agenda, política como tudo o mais, igualzinho aos jornalecos que se vê por aí. Há muito trabalho a fazer se quisermos ser como cientistas ou até mesmo como artistas — nesse ramo de editoria subjetiva. Nossos amigos precisam de nós e de nossas mãos para recebê-los: eles não nos preexistem, afinal: nós que os criamos! A maior caridade é receber a tristeza do outro, agraciá-la com nossa atenção e corajosamente dar-lhe o espaço que ela merece: e não aquele que nossos editores acham que ela merece. Editores são bichos-papões em todo lugar. Resistamos. Os homens, para nascer, precisam ser paridos. Também assim é a liberdade de sentir. Somos deuses, com o poder de criar, nos outros e em nós mesmos, mundos que o mundo nunca viu antes.

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