26 de junho de 2018

Metamorfosear-se em predador

Antes de dormir, pergunte-se com sinceridade e um pouco de carinho: de quê fugi hoje? Ignore impulsos catárticos — o que não se fez durante o dia tampouco se pode vomitar à noite. Faça o possível para se livrar de julgamentos acerca das consequências: não nos interessamos por "fazer o bem" nem em colher créditos com o futuro. Julgue senão o páthos presente nas suas ações e inações: houve ali paixão? vingava-se de quem? com quem competia? estava cansado? sentia-se superior? encarecido? quente? sub-utilizado? preguiçoso? desconjuntado? irrespirado? Observe o medo, a culpa, a intromissão de pensamentos, o franzir das sobrancelhas, a produção de adrenalina, as contrações e os relaxamentos, o encolher-se da alma, a vontade irrefreável de dormir. Torne-se, com o treino, senhor de suas sensações — conheça o que lhe faz girar as engrenagens, sutilize a auto-consciência até os níveis químicos, sub-atômicos, sinta-se em cada grão, identifique os seus eus profundos — — saiba o que você é ao ser. Não o que você acha, agora à beira da cama, que foi. Não o que você causou ao agir, nem como transformou ao mundo ou aos outros. Preencha-se de si mesmo: se você não é extenso o suficiente para isso, engrandeça-se. Desenvolva olhos de águia e com eles mire as suas covardias. Calcule a trajetória que fizeram até ali, encontre seu ponto fraco, mapeie seus hábitos, triangule onde estarão amanhã. Por enquanto, contente-se em espreitar: estamos apenas meditando antes de dormir. Mas, aos poucos, perceba o seu coração acompanhando os olhos, tornando-se gradativamente — — de rapina. Quando estiver pronto, e tão naturalmente quanto a covardia hoje lhe causou fugas, amanhã um algo diferente causará seus movimentos. Aprenda, de si e para si, a desacovardar-se.

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