10 de fevereiro de 2010

Esse é de ontem

Eu queria que me conhecessem assim, agora. Click: congela. Não sou bom em pintura realista com modelo. Não sou bom em narrar o que eu vejo, em pintar o que está à minha frente. Portanto, mesmo que eu pudesse fotografar esse momento, eu não poderia, mesmo em cem anos, pô-lo em palavras. Mas também, é claro, se eu pudesse ter tal fotografia, eu não sei se restaria muito motivo para escrever.

Eu prefiro, em vez de fotografias impossíveis, me fundir à obra e escrever o resultado (e também o processo). Por isso, eu tenho um pouquinho de mim fundido em cada escrita minha. Mas se eu tenho vontade de escrever sobre mim - ignorando o aparente egocentrismo -, eu me perco. Deveria eu fundir-me a mim mesmo, entregar-me completamente à mercê de mim? Mas isso é assustador.

E aí eu prefiro sempre, (repara!), entrar em alguma discussão menos poderosa, como "qual o motivo de eu estar escrevendo?" (nessa pergunta, fica bem clara a desconfiança e a resistência em aceitar-me)

O motivo de eu estar escrevendo agora, é pessoal: quero reler depois e entrar em contato com essa parte de mim que tanto me apraz. Também tenho, na minha não-pequena vaidade, uma esperança e um desejo, ao revelar-me tão sedutoramente: quero ser apreciado, degustado, decifrado - ou, no mínimo, visto, conhecido. Tenho o fetiche de ser melhor conhecido por outro, do que por mim. 

Essas discussões não são singelas, mas tampouco são relevantes. Eu estava no alto de meu décimo-quinto antar e eu escrevia um poema de amor. Era algo assim:

da alegria de um momento que não faz sentido,
resta algo sentido
da tempestade que ameaça cair à minha frente,
resta a ameaça
Dos trovões, que lembram Beethoven,
não resta nem a música nem as nuvens:
resta o medo. E a delícia de senti-lo.
De repente, quando tudo isso se junta
[num ferver da barriga,
sinto a alegria, a tempestade, a delícia.
Fecho os olhos, ouvindo os silêncios que cadenciam os barulhos,
transformando-os em música.
E nessa hora, talvez, reste Beethoven, mas só um pouquinho
Nessa hora, o que resta é o sono.
E a certeza de que, embora nada faça sentido,
tudo que ha             é sentido.
E de repente eu sinto tudo e caio minha cabeça no travesseiro,
pois sei que durmo bem, e feliz, pois amanhã, tenho um encontro contigo,
e mal posso esperar.
É esse o sonho, feito de alegria, tempestades e beethoven, que eu quero escrever.
E esse é o sonho que eu faço poesia.
E aí eu digo, uma "última" vez:
boa noite, meu amor. Dorme bem, que eu acordo melhor.

Um comentário:

  1. ai que perfeito!! pena que mais uma vez você fugiu do tema principal - você.

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