Friedrich não conseguiu dormir.
Não era a primeira vez que via seu espírito se encher de culpa, mas sentia, de alguma forma, que agora era diferente. Jogar cartas com os seus companheiros, pelos quais simpatia era a última coisa que sentia, de nada adiantaria pra acalmar-lhe os nervos: recusou.
Seus mestres, amigos, pais; todos ecoavam na sua mente, seus ensinamentos e palavras a tentar conter a onda de angústias infinitas a qual era imposta sua mente. Divinos dogmas e certezas infundamentadas lhe eram evocadas numa vã tentativa de coforto. 'Inútil'.
Brigava consigo mesmo, sentia-se à beira da insanidade. Vivia o desconforto supremo - o humano - e a triste, enorme, tragédia que era o existir.
Por um breve momento, se lembrou de Shakespeare. Naquele momento, tudo que queria era não ser. Morrer, pensou, é melhor que este fardo de ser.
Fechou os olhos.
Reabriu logo em seguida.
As imagens revividas no seu inconsciente - ou seria consciente? - eram-lhe tão bizarras, tão indignas, tão cruéis. Sentiu-se enojado.
Levantou, passando pelas camas companheiras, observando todas as cúmplices e testemunhas do crime - 'nossa, pensou, que palavra anacrônica!' -, seu crime. Sabia que não podia contar com nenhum deles. Provavelmente, para eles, seu único crime seria essa onda de pensamentos "hereges" e "anti-morais" que ele agora cultivava; chamariam-no de “Cristãozinho”, apelido odiado que carregava escondido desde aquele incidente na Juventude...
Nas sujas e asquerozas instalações higiênicas da tenda, jogou alguns mililitros de água no seu rosto, numa misteriosa inocência, ao pensar por um centésimo de segundo que poderia se purificar. ‘A pureza, pensou, não cabe nesse mundo, nessa nação, nesse ano; melhor - a pureza não pertence ao ser homem.’
Voltou no tempo uns poucos séculos ideológicos e se machucou, com a lâmina de barbear mesmo. Punia-se. Mas sabia que era inútil, além de desnecessário. Tinha O traído, pensou, mas por que, ou como, poderia um auto-sacrífico servir-Lhe?
Não. Isso constituiria um erro. E sabia que nem uma lâmina, nem um chicote, nem a própria morte poderia curar sua angústia. Ou, novamente num retrocesso anacrônico, lhe purificar a alma.
'Precisava sair dali.' Temeu tê-lo dito em voz alta.
Tomou uma decisão - um lapso de consciência, finalmente! - e por um momento duvidou. Era impossível. E, muito mais que impossível, estava sozinho. E, mais que sozinho, estava vivo, o que, em primeira e última análise, significa que morreria.
‘Morto, não era nada.’
‘Morto, seria como o garoto.'
‘NÃO!’- gritou para consigo mesmo - ‘Era dez, cem vezes, um mlilhão, trilhão, infintas vezes pior do que o garoto. Seria capaz de qualquer coisa para dar a sua vida no lugar da dele.’
E adormeceu, entorpecido em pensamentos.
(Outubro 2008)
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