28 de dezembro de 2012

Escrita sem tese

Eu sou viciado em teses. É difícil me conceber lendo um texto sem que, nessa leitura, eu procure decifrar ou extrair a afirmação de uma idéia, de um modelo, de um estilo. Nessa madrugada, eu tentei imaginar um texto sem tese.

Primeiro, veio-me a poesia: não seriam os bons poemas --- textos sem tese? “E não pode ser esse o motivo da tamanha dificuldade que você tem de ler poesia?” Mas eu luto contra essa idéia: acho que mesmo nos poemas, e talvez especialmente lá, há teses. Nossos poetas têm uma tarefa grande demais, são responsáveis demais, para viver – para escrever – sem com isso afirmar, defender, e proteger certos modos de viver, de ler, de pensar, de sentir. Os próprios pré-requisitos da poesia precisam ser defendidos – assim como todo texto em prosa ensina os nossos estudantes a ler melhor – também o silêncio precisa ser defendido pelos poetas, também o ritmo, também a sutileza. Todo poeta diz, com seu poema, que é bom ler poesia. Que é útil, que há um porquê. (Todo? Mesmo? Como saber se não é você, Stefan, quem projeta nesses poemas suas teses?)

Em seguida, veio-me o sexo. Decerto, pensava, as pessoas transam por transar, e nada mais. Mas também isso é mentiroso. Quantos não são culpados de usar o sexo como argumento para o amor? Em outras palavras, quantos não pretendem, nas suas noites em seus colchões, provar – ao companheiro, a si mesmos – a tese de que amam? Muitos casais o fazem mutuamente, perdoando um ao outro. Alguns, um pouco mais perversos, dirão que existe inclusive uma correlação entre dar-se no sexo e amar. E passam a se dar, com uma intensidade forçada e uma artificialidade explícita (e triste), não porque querem, não por instinto, não por desespero – mas por amor! Aliás: não por amor! mas para provar o amor. Um sexo-argumento. Um amor-tese.

E vocês entendem como isso soa pejorativo? Como parece errado? Vocês percebem meu desejo de acabar com as teses? De chegar lá onde elas não sejam necessárias? Onde elas não sejam possíveis? Foi nessa madrugada que eu imaginei um texto sem tese. Logo depois de atribuir, à própria madrugada, uma tese própria: eu disse dela “que possui um valor anti-civilizatório”, pois “resgata um silêncio ingênuo mesmo no meio do caos urbano de uma metrópole”. Será possível escrever o silêncio – não sobre ele, não a favor dele, mas – ele mesmo? Haverá miserável tão miserável que sequer legitime sua miséria? Poeta tão poeta que não use seus versos para uma idéia, mas que seja por eles usado? Uma transa tão desesperada, tão profundamente animal, tão expansivamente ensimesmada, que não sobre espaço para as teses (nem mesmo para o amor)?

Tão livre que sequer a liberdade precise ser por mim afirmada?

Tem que haver. O universo não faria sentido, se não fosse assim. E a resposta, como você mesmo percebe e sugere a todo o tempo, não está nas coisas, mas naquele que as percebe. Você vê? Que esse texto nada mais faz do que encobrir um sentimento profundamente sem tese? Que o seu desejo de escrevê-lo é um desejo de enfraquecer essa parte da sua cabecinha que insiste em pôr nas coisas teses? Que, por detrás dela, por trás da sua dor de cabeça!, há como que vida em seu estado puro? Algo que tremelica, esquenta e pulsa, como que querendo sair? Talvez hoje, nessa madrugada fria, saia em forma de lágrimas (mas não seriam lágrimas tristes: até porque isso seriam lágrimas-argumento para provar uma tristeza-tese: “choro porque estou triste”, “veja como estou triste: estou até chorando!”), talvez saia em forma de um texto quase perfeito. Talvez um sorriso, ou um sonho, ou sabe-se lá de que outras formas pode-se viver (poesia? transa?). Mas que saia.

Que saia.

3 comentários:

  1. Mas parece que sexo é o seu Hot-Topic msm. N saiu, n foi? Vc ainda acha q é capaz de "algo a mais"? Vc parece tão seguro, fazendo td ao contrário. Falando de novo e de novo em liberdade e escrevendo tão presinho, tão fraquinho, tão desesperadinho. Pq acho q nem desesperado o bastante vc está. Acho q vc merece estar entre os meus favoritos tbm, só pra eu ver se vc vai se desesperar ou enlouquecer. Essa criança na foto é vc?

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  2. O blog vai passar por uma reforma visual em breve, que vai incluir as fotos. Mas elas são de mim, sim, embora já sejam antigas.

    "Só pra eu ver se", "Você ainda acha que", "Porque acho que nem X você está", "Esse é você?", "Você parece", "Não conseguiu, conseguiu?". Sinceramente, John, pra quem me chamou tão agressivamente de 'comum', você parece bem ordinário também. Mas eu sei que você não é. Como eu sei que fico lisonjeado com o fato de eu ser mantido entre os seus favoritos e também com os seus comentários, por mais que me doam. O que é que eu estou fazendo ao contrário? Eu sei que você nunca vai contar. Porque você é um babaca sádico. Um babaca sádico maravilhoso. Eu te odeio e te amo.

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  3. É cara, fico eu falando absurdos de vc, e vc de mim tbm. Mas foi assim q eu vim parar aqui: pelo pathos. Então é claro que eu tbm te amo e odeio.

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