Sabe?, a tristeza tem sim um quê de beleza. Ou talvez a beleza tenha um quê de triste. EIs uma questão que me foi posta antes, e que permanece.
A beleza talvez seja um estado contemplativo: nós somos sujeitos passivos da beleza, a ação dela é sentida por nós. Afinal, mesmo a beleza mais ativa, que é a própria - quando Eu sou bonito - , só é a partir do momento em que há um sujeito passivo, que a percebe. (Mesmo que o sujeito ativo e passivo sejam os mesmos: aí então sou bonito a Mim mesmo.)
Só se é belo potencialmente, pois apenas na presença de um outro, a beleza passa a existir, a ser bela.
E o que tem a tristeza a ver com a beleza, com sua contemplação? Também é a tristeza um momento, um estado, de contemplação? É preciso haver um sujeito passivo da tristeza para que ela exista?
Pouco sei. Sei que às vezes, como agora, sou triste de uma forma contemplativa. Fico percebendo a minha tristeza, brincando com ela, mexendo com sua vergonha - como se o faz àquele amigo nosso que não consegue dançar ou ir falar com aquela garota que tanto se percebe que ele deseja.
E aí, creio, que tristeza e beleza se confundem para nós, sujeitos passivos de ambas; uma e outra são contempladas, presenciamo-as, sentimo-as. E no entando nada fazemos – nada efetivamente podemos ou queremos fazer – com elas, que nos invadem, nos transgridem, nos fazem transgredir: para fora de nós, para além-nós. Ou simplesmente para “lá”, num lugar que é um pouco mais belo-triste.
Lógico que, infinitamente arrongantes quanto a nós mesmos, não suportamos ser passivos – não nos aguentamos, reles inconformados, nós! – e tentamos transgredir nossa própria transgressão de nós mesmos: transgredimos ad infinitum. Contemplamos a contemplação, ficamos tristes pela tristeza, e somos belos pela beleza.
Como agora. ! Em que contemplo a minha contemplação, fico triste pela beleza, belo por estar triste, escritor sobre o escrever, vivo para ser vivido, sou artista para poder ser arte. Viro sujeito ativo para poder validar a minha condição de sujeito passivo. E enfrento o infinitum.
E assim coloco as duas, tanto a beleza quanto a tristeza, num container infinito, mais ou menos como se eu colocasse o mar num observatório visível apenas do “subterrâneo”, sendo que a terra nada mais é do que a fronteira que nossa arrogância insiste em tentar transgredir.
E aqui, embaixo da terra, nesse texto-arte subterrâneo, eu passeio pelo infinito mar de tristeza e beleza, meio perdido meio alegre nessa caminhada contemplativa pelos oceanos e lagos que, enfim enfim, compõem esse eu-que-escreve, esse meu momento, estado em que me encontro: Esse eu triste.