Na palavra seguinte já não estava mais lá. De repente, o que estava “lendo”, aquilo que circulava entre a parte sensorial e a verbal da consciência, não conversava com o sujeito que havia escrito o livro ou com aquele que, por mera inércia, ainda o tinha nas mãos e a retina às palavras direcionada – surgira um terceiro elemento, estranho à situação, mas interno ao corpo dono das tais mãos e retina (percebe: só se pode ser leitor à “interrupção” da leitura). Em suma: não estava mais lá.
Pra onde havia ido?, já o saberia, enquanto puxava do bolso o celular que serviria de papel à narração da experiência literária que vivia, tão incrível era que merecia tornar-se, em tempo real, uma outra (“é mais ou menos pura agora que é metalinguística?”).
Pois tinha ido – e continua a narração – à exploração do que sentia, primeiro inconsciente, depois conscientizadamente. A primeira coisa que percebeu, de que a consciência se apropriou, foi, em imagens: Infância e Corpo. A memória, em vez de criadora, passou a ser batedora, explorando um passado há um segundo adormecido: na infância, o corpo funcionava diferente. Isso é percebido num campo não-verbal, está sendo sentido, a memória é ativa, não escrava da razão.
Percebê-lo foi de uma beleza bonita.
Repreendida a normal antiga repreensão, sentia de novo o que sentia: jogava bola, e queria ganhar, precisava ganhar, e empenhava suor e energia – vontade. Tinha ido para lá: à vontade inexorável e tão prazerosa de um pirralho de roubá-la, driblar, chutá-la. Não foi gol.