30 de setembro de 2014

Des-conto erótico

A prosa tem algo de explícito que a poesia normalmente esconde. Poeta fica horas encaixando sílaba, procurando rima, testando novas ordens de palavras, torcendo a gramática, inclusive fingindo beleza!, mascarando, pintando – não muito diferente de como as mulheres se pintam e cobrem, fantasiam, dançam, escondem e revelam.

A prosa, não. É mais masculina, mais direta, mais nua. Muitas vezes mais indecente e ríspida, insensível, boba, ingênua.  A prosa ou te penetra ou não: é isso e acabou. A poesia, não. A poesia é uma mulher, nunca dá pra saber o que ela achou, o que ela quer de você, de quem ela gosta. Faz mistério, finge, embaralha, confunde, seduz.

Fale de sexo com um poeta e ele logo muda de assunto: vai falar de pescoço, de unha, de coxa, de olhar, de cantada, de feeling, de peeling, de perfume, de gozo, de gemido, de toque, de mão, de cama, de noite, de quatro.

Com um prosador, nada há do que falar: ou se penetra ou não. As margens são claras. Não é não. Nada de surpresas. Nada de invasões. Respeito é bom e eu gosto. Respeito ao corpo, ao indivíduo, à escolha, à ordem direta das palavras, ao sujeito-e-predicado, à conotação. (O prosador – tão prosaico é! – não sabe que o sexo é metáfora.)

O que pouca gente sabe é que, quando chega à noite, a Dona Prosa levanta da sua cama, como que enfeitiçada por uma música que vem lá de fora – de onde? de fora – levanta da sua cama, coloca um sapato (que já deixa de antemão preparado, antecipando a insônia que sempre vem), coloca um sapato, com cuidado para não acordar o marido, que dorme, que dorme, e sai. Sai à noite, pra ouvir o canto que vem do vento, do vento, que não vem de lugar nenhum, mas que vem, que vem. Caminha cambaleante, quase caindo, quase dormindo, sussurrada, bêbada?, não, mas certamente embriagada, ela anda, vai, tem que ir, os deuses a protegem, e ela vai, e vai e vai. O corpo leve, os olhos desfocados – não há medo, não há perigo – ela vai, acompanham-na os uivos dos lobos urbanos, quer dizer, dos cachorros, e ela vai e vai e vai… Como se a calçada fosse um mar, ela flutuando, os sapatos ainda meio mal postos, a camisa ainda meio mal colocada, o casaco por cima just in case, e ela vai e vai e vai… Logo não é mais apenas música que a guia, mas também cheiro, e ela logo deixa de ser humana, e se sente bicho, sente os pelos arrepiarem, os instintos se guerreando aquecendo a pele por dentro, o sexo, o sexo, o sexo; sexo, sexo, sexo; sexo sexo sexo; sexosexosexo; sexo. Malditos ferormônios, ela pensa, um instante antes de se deixar ir, tomada que está, incapaz de resistir, já não é mais mulher, é besta, é fera, é garra, é deusa. É, finalmente, mulher.

Um gemido.

Ah.

Ahhh.

Ahn.

AH -

- - - (ah!)

Ah!.

Ninguém sabe que, chegada a noite, a dona Prosa vai ter com a Poesia. Nós somos seus filhos, seus bastardos. Temos duas mães, perdidamente apaixonadas, eternas amantes, a inveja de Zeus.

Nós, os fazedores de sexo.

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