5 de dezembro de 2022

Epitáfio

Sua tristeza o compunha como o hidrogênio o sol. Tinha desaprendido a crescer e, na falta de luz e água, murchava cada dia mais esplêndido. Casara-se com o próprio medo e, paralisado, vomitava na tela a impotência branca — inodora e infeliz. Morreria depois de conhecer a felicidade, envenenado de memória e dor. Chorar já não sabia mais. As estrelas devolviam-lhe a negligência na qual se banhara. Não havia prateado nem dourado. O único brilho era a iridescência de sua gordura, que do seu cu fazia um arco-íris irônico e cruel. Como se Deus troçasse de sua existência, desafiando-o a reagir. Dali nada viria, é claro. Nunca veio. A única tônica havia sido a covardia e a desistência. E pereceria assim, nadificado, entregue sem protesto à Preguiça do espírito. Nunca se casaria, pensou. Permaneceria para sempre só, sem voz e já quase sem cabelo. O coração gelaria e não viraria sequer fóssil. De amor passado e expirado ele se tinha matado por dentro. O nó na garganta amarrava-o a um passado que ele presentificava por desespero. Foda-se o sorriso. Suas últimas palavras foram feias e não serão jamais repetidas.

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