Na pequenez de mim mesmo em que me encontro, escrevo.
Além de permitir-me ser suficientemente grande quanto para acomodar a esse eu-que-não-cabe, a escrita permite tantas outras peripécias quanto couberem na folha de papel higiênico em que se escreve.
Nesse momento, a minha calma, que já aprendi ser tão perigosa quanto prazerosa (como são as transgressões!) [Será a minha calma uma transgressão disfarçada?], bem, a minha calma se transformou. E não mais cabe na palavra calma, a que eu havia a designado.
De repente, ela exige inúmeras outras palavras.
De repente, passa a ser silêncio, carência, nostalgia, até medo!
A mesma calma que pouco atrás era apenas ‘calma’ e ‘prazer’. Assemelha-se agora à angústia, e, já o disse, tenta ganhar o status de ‘transgressão’.
Que é ela, afinal?
Que estado é esse de agora que me faz escrever? Não é comtemplativa. É ativa. É calma, mas é ativa, ‘eu sou a calma’. (a calma que é silêncio, carência, nostalgia e medo, e que quer ser transgressão)
- Aparece em tua forma verdadeira, ó musa compulsória! Por que é que me obrigas a escrever-te? O que é que de mim exiges?
Há estados-momentos nos quais é tão essencial que eu escreva, que eu não vejo diferença entre eles e as musas, ambos devaneios-sensações que nos engolem, nós covardes arrogantes, e nos forçam a pensar o mundo sob o prisma delas (das musas).
Personificada, ela, jus à sua idealização (todas as musas são ideais… correto?), se me aparece em forma de mulher, seus contornos tão perfeitos quanto irreais, um esplendor só encontrado na Grécia Antiga e em suas deusas olímpicas.
“Estaria eu falando com a Beleza?” – Aphrodite, és tu?!
A que devo-te a honra?
(…)
Eros? Mas, mas… (silêncio)…
Pathos, é claro.
Agora, eros?
Tens razão, é claro (e como poderia discordar?, é uma divindade!), estou apenas boquiaberto, perplexo.
Mas, sim, é claro que concordo.
E ela se esvaiu, tão rápido quanto veio, tão incrível. Ela passara sua mensagem e seguiu.
A calma que eu sentia era de fato divina. A calma que era silêncio, carência, nostalgia, medo e que queria ser transgressão. Era divina, era Aphrodite. Era a beleza.
Só que eu estava ativo – certamente eu era belo a qualquer um que por ventura me percebesse, que se aventurasse a ser o sujeito ativo da beleza que eu estava emanando – mas eu não via, eu não estava sendo o duplo sujeito da beleza, não era o belo a mim mesmo.
Mas vi, pelo espelho ao contrário que se tornou minha narrativa - que, num contato com a minha palavra, tornou-se divina e depois divindade - a minha beleza; tive um relance dela, arranquei-lhe um pedaço de certeza. Vi a Aphrodite que reinava secretamente no meu silêncio carente nostálgico medroso transgressor, calma!.
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