Cuidado, companheiros, muito cuidado! Recentemente passou a se considerar aceitável uma raiva antiga e profunda, da qual vale a pena nos afeiçoar, para dela não sucumbir.
Vocês os conhecem: esses peixes amargurados que não perdem uma oportunidade de esbravejar, os dentes de fora e o nariz arrebitado, a maneira como são mortos os pandas, caçadas as baleias, depenadas as galinhas, depeladas as raposas, pisoteadas as baratas. Sim, todos nós os conhecemos: eles vivem a vida como se fosse uma punição, porque, afinal de contas, são incapazes de se livrar do pesadíssimo sentimento de que eles fazem mal. Assumem muitas formas, esses assassinos impotentes – como desejam mortos os seres humanos! Em nosso século, costumam atender pela cor verde. Eu lhes disse que os conheciam. Estão, afinal, por toda parte. E não se engane: sempre estiveram!
O ódio que expressam pela humanidade, como vocês devem saber, é apenas um exagero mal feito e deformado do ódio que sentem de si mesmos. Como sofrem! essas pobres criaturas. Odeiam o lugar que ocupam, e culpam-se inclusive do ar que respiram! Se pudessem, escolheriam deixar de existir, para permitir que criaturas mais dignas – como esses inocentes gatinhos – vivam em seu lugar. Como é pesado viver quando a vida é um peso.
Meus companheiros, é preciso que nós – os que ainda respiramos sem culpa, e que não temos medo de deixar no chão nossas pegadas – nos vacinemos contra essa doença. Ora, é preciso mesmo que nos tornemos alérgicos a ela. Rejeitamos essa e todas as outras formas de antropofobia.
Nunca nos esqueçamos que os arcos de violino são feitos de crina de cavalo! E eu não me importaria se fossem feitos de chifres de unicórnio ou de asas de pégaso. E como eu poderia?! Como eu poderia me importar, se deles dependem a quinta, a nona, e todos os grandes?
Se você é incapaz de amar a humanidade por si e por seus amigos, que pelo menos a ame por Elisa.
"[...] apenas um exagero mal feito e deformado do ódio que sentem de si mesmos", ótimo. Porque a forma como amamos os outros tem o reflexo de como nos amamos e nos perdoamos, de como perdoamos à medida que amamos.
ResponderExcluirElisa...
Dona Andreia,
ResponderExcluirsua teoria só seria verdade se a)as pessoas fizessem aos outros o q fazem por si b)as pessoas n tivessem imaginação o bastante p explorar formas de amor diversas e divergentes, sendo obrigadas a ficar presas em si mesmas c)o mundo fosse mt chatinho.*correção, isso seria a consequencia.
Chefe, gostei da vivacidade. Tenho gostado. Vc tem estado mt enspirado ultimamente, especialmente nos textinhos menores.
John, que comentário enspirado. Mas o que eu sugiro é que o relacionamento com os outros, a nossa "personalidade", tem muito a ver com o nosso relacionamento interno e como a gente funciona com a gente mesmo. Eu estou falando de como as pessoas sentem, e de como o nosso funcionamento é, sim, algo de dentro pra fora, e de como isso molda o relacionar-se. Acho bom você ler duas vezes antes de comentar, na próxima. Mas talvez você só esteja muito enspirado pra isso, né?
ResponderExcluir*inspirado (mt obrigado pela atenção)
ResponderExcluirDona Andreia,
É engraçado, pq na sua visão, o relacionamento interno é duplo, tem vc, e tem vc mesmo, e os dois tentndo se acertar. Eu compreendo, vc acha q a forma com q lidamos com nossas discordancias e concordancias afeta a forma como lidamos com os outros.
Sobre isso: acho q ser intensamente é n ter conflitos consigo, pq apenas se é. Acho q o mais justo consigo é só ter relacionamentos internos com o eu dos outros.
Sobre o de dentro p fora, eu acredito sinceramente q eu estive em vc qnd vc me respndeu.. qr dizer... quão de dentro p fora é isso? vc n está no comando, assim como eu n estou no comando. n vem de mim minha relação com os outros. q dirá moldá-la (a n ser q vc seja uma especie de ditadora narcisista).
Mas sim. Me sinto mt inspirado qnd venho aqui. O q me lembra: gostei desses pequenos textos novos, mas falo deles qnd voltar de viagem.
Eu gostei, John.
ResponderExcluirA minha posição quanto a 'ser um' é um pouco ambígua, mas isso que você diz faz muito sentido. É ambígua, porque eu tendo, inclusive nesse blog, a ser muito receptivo com as vozes dissidentes que encontro em mim; eu acolho os meus outros "eus". Mas, ao mesmo tempo, parece que sempre há uma busca por uma unidade e por uma resolução dos conflitos e contradições internas - e o sentimento de maturidade e de assenhoramento de si (sentimentos muito poderosos e agradáveis) são sentidos como "estou sendo um (comigo mesmo)". Tudo isso faz ainda mais sentido quando você fala de se relacionar com os outros: parece que quanto mais inteiros formos, mais intensamente conseguimos nos relacionar com os outros. Nos meus 18 anos, eu disse que esse blog só prestaria quando eu parasse de escrever pra mim e começasse a escrever pros outros. Eu não acho que você e Andreia discordam: os dois parecem estar dizendo que os conflitos internos mal resolvidos, o "ódio de si mesmo", prejudica o relacionamento com os outros. Na sua explicação pra isso - essa explicação bonita que você deu, em que somos todos como que permeáveis aos outros, e estamos a todo tempo sendo por eles atravessados - talvez eu dissesse que a dificuldade de reconhecer em si uma unidade (de "ser intensamente o que se é") faz com que seja muito difícil acolher as partes humanas que desagradam (primeiro acolhê-las em si, depois nos outros).
Viagem, John? Creio ser a primeira pista sobre a sua identidade desde que você chegou. Além do estilo e de todas essas coisas, claro. Haverá outras pistas? Você pretende dizer quem é?