20 de março de 2017

Enfim, a convalescença!

Ao encasular-se, a lagarta não sabe que seu destino é tornar-se borboleta. Não é por prazer, nem por antecipação de prazer, que ela se encolhe e espera, mas porque é apenas isso que ela pode fazer, é apenas isso que ela sabe fazer. Nós também, em nossas caminhadas tortas, não fazemos mais do que aquilo que podemos e sabemos: caminhamos, seguindo o nosso destino, e trabalhamos! Dia e noite trabalhamos em nós mesmos, essa tarefa que tantas vezes parece ingrata e sombria, que a tantos olhos faz desejar a cegueira, para a qual quase nenhuma vida humana é o bastante. Ah, dia e noite trabalhamos! E, de repente — sempre de repente — a primavera chega! E os botões se abrem e nós, como dos casulos as lagartas, estendemos nossas asas para o sol e voamos! Até o mais alto céu voamos em nós mesmos, alegres como só Deus sabe: recompensados, finalmente, por toda a labuta e todo sofrimento e toda dificuldade. Assim é sempre o arrebatamento de alegria e juntos, sempre que ela vier, devemos entoar nosso cântico mais sagrado e abrir o nosso coração para a gratidão: nós estamos vivos!, exclama o nosso corpo com cada célula, solarmente aconchegado e expansivo, indescritivelmente jubilante, um todo quente e abraçável. Ah, nessas horas deve-se abraçar o mundo inteiro, encostar-lhe próximo ao peito e respirá-lo, admirá-lo, sorvê-lo para dentro de si, cultivar com ele esse calor magnífico que é feito de lágrimas do passado! Por tanto tempo trabalhaste… E finalmente tem teu presente: o teu presente. Vivo te sentes no próprio corpo e amas tudo quanto existe e já existiu. Por tanto tempo a alegria parecia-te ganhar a corrida da vida, sempre uns passos a mais adiante, sempre inalcançável, sempre muito mais rápida do que tuas cansadas pernas eram capazes de correr. Mas dia e noite trabalhaste em tuas pernas, dia e noite tornaste-te digno da alegria e da saúde, vivendo o melhor que podias, ainda quando fosse imensamente difícil, ainda quando tudo parecia longe e impossível, deste-te o teu melhor, choraste e sofreste e fracassaste, e te acolheste enfim. E finalmente o mundo te reciproca, dando-te o que ele tem de melhor. E o sol é teu, e a grama é tua, e o mar é teu, e tudo tudo tudo que tu sentes é teu, absolutamente tudo. Sem vergonha e sem medo pulas no calor da existência e desfrutas o fim desse longo inverno. O amor em ti ferve e tudo, tudo é maravilhoso. Que a memória desse mundo fantástico nunca se perca e que sirva de consolo para os momentos em que tudo parecer impossível e distante e difícil demais. É assim mesmo. Raros serão esses momentos, e frequentes serão os dias de labuta. Assim é e assim deve ser. Mas uma recompensa assim vale muitas e muitas eternidades, e gerações inteiras de trabalho encontram-se junto a ti nessa tua alegria. Canta e chora e sorri de alegria. Constrói esse teu sorriso profundo dentro de ti, esse sorriso que nunca mais te abandonará, e que te servirá de bálsamo para toda ferida, pois a vida é bálsamo e nada há de mais incrível do que a alegria. Amanhã é dia de arregaçar as mangas novamente, pois a labuta não se encerra. Vai ao sol e te banha de alegria, para voltar com ainda mais força contra todas as tristezas e apequenamentos que te esperam na vida. A vitória vem a quem desiste de ganhar; lembra que o suicida se mata por amor a uma vida inalcançada. Nós alcançaremos o inalcançável porque seremos pequenos e mesquinhos, porque desistiremos de sermos perfeitos, porque choraremos e afinal nos aceitaremos. E trilharemos longo e árduo caminho até a próxima alegria. E viveremos e viveremos. O depois de amanhã nos pertence.

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