4 de fevereiro de 2017

Nosso espírito

Apenas duas coisas são sagradas no reino dos homens: a linguagem e o corpo. Ela, porque é o barco que nos leva para além, que sempre nos levou e continua a levar, apontando e apanhando o que nossos braços são curtos demais para alcançar, pequenos demais para envolver; ela é, assim, como que o nosso maior órgão, maior até do que os olhos (que enxergam até o horizonte) e do que as pernas (que a todo lugar nos levam), pois só na linguagem temos o infinito. Ele, porque é o palco onde tudo acontece, a panela de pressão de onde sairemos nós mesmos; tudo o que é e onde tudo se encerra, pois nada acontece fora do corpo e nada está para além dele; e principalmente porque é no corpo que sentimos — — outros corpos (repare que a linguagem, por enorme que seja, não atinge outras linguagens, mas apenas atinge outros corpos, pois somente corpos são atingíveis). É nesse binômio corpo–linguagem que nos localizamos – nós, poetas! Nós, poetas: os aradores da única religião que sobreviverá ao futuro, a única religião que jamais existiu. Apenas duas coisas são sagradas no reino dos homens: a linguagem e o corpo.

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