9 de fevereiro de 2017

Tornar-se estrela

Não devemos nos envergonhar de nossa história. Acima de tudo, quando nos faltarem consolos, é preciso que nos lembremos da nossa maior força: o esquecimento. O maior milagre da vida é ter feito as memórias perecíveis. Fossem hereditárias, não aguentaríamos sequer três gerações — raios!: se não dormíssemos e esquecêssemos, não aguentaríamos três dias. O mundo é novo porque esquecemos. Lembrar é reagir. Esquecer é criar. Tudo transformaremos e como crianças desenharemos os mesmos traços e amaremos de novo e de novo, como se não tivéssemos passado. E não temos. Porque na verdade não há amanhã. Eu e você somos dois nadas que, intransigentes, ousaram contentar-se. E o que torna um átomo mais ou menos carregado? O que faz com que tenha um ou três prótons, um ou dois elétrons? Quanta erótica não há na mais microscópica das físicas? Esqueçamos! Somos partículas. Nosso amor, nossa vontade, é intransigência divina: modificamos a nós mesmos, encarnamos o universo: e perecemos. Acima de tudo perecemos.

 

Mas, enquanto isso, amamos. 

Temos alguns trilhões de anos até que todos os sóis se apaguem. O tempo urge! Muitas poesias precisam ser ainda compostas antes que a humanidade — ou o que quer a suplante — possa aprender a viver. Educá-la na beleza: essa é a nossa tarefa. Amar e esquecer: como o carvão esquece de si ao queimar. Somos velas no breu universal. Queimamos e por um breve instante vê-se algo — sombras, silhuetas, cores, detalhes, olhares inteiros se criam para as velas — até que apagamos. Não choremos nossa finitude: morremos porque queimamos. E nós: não temos vergonha de queimar. Não devemos nos envergonhar de nossa história.

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